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Li primeiro no Crux, e depois fui ver a fonte original no Vatican News (em inglês, porque a notícia não está em português): a Basílica de São Pedro tem um novo sistema de som, instalado em meados de julho. A notícia em si não deveria ser grande coisa: o sistema antigo era do ano 2000, havia fiação acumulada de muitas décadas atrás, tudo isso foi removido e deu lugar a uma fiação inteiramente nova e 80 alto-falantes, com tecnologia digital. O problema é a mentalidade que fica implícita não na necessidade de atualização tecnológica, mas no conceito que levou a ela.
O título do Crux é um pouquinho apelativo quando fala de “um toque de rock and roll” – tanto que essa expressão não aparece na reportagem do veículo oficial do Vaticano. O que Carlo Carbone, responsável pelo novo sistema, explica é que agora o som é distribuído dentro da Basílica de São Pedro de forma semelhante à de shows de rock, com um delay mínimo à medida que os alto-falantes se distanciam do altar. A intenção é recuperar a centralidade do altar como a “fonte do som” na liturgia, assim como o palco onde uma banda se apresenta é a fonte do som no show de rock.
“Recuperar a centralidade do altar” é coisa boa, certo? Certíssimo! Mas veja como a explicação de Carbone, que aparece apenas no Crux e não no Vatican Media, é uma descrição de como a liturgia católica foi sendo gradualmente empobrecida. Quando a liturgia era majoritariamente cantada, a própria arquitetura das igrejas já resolvia o problema da distribuição do som. “O canto gregoriano é inteligível em todos os pontos de uma igreja”, diz ele. Mas aí, “com a mudança para uma liturgia recitada, a alternância de notas se tornou mais veloz e esse tipo de reverberação cria confusão”. A coisa só piorou com a instalação de sistemas em que o som saía simultaneamente em todos os pontos da igreja, algo que se está tentando corrigir agora em São Pedro.
Precisamos nos perguntar onde foi que escondemos não apenas o canto sacro, mas a própria solenidade das orações cantadas, que o missal de Paulo VI também permite (e, como pudemos ver, os padres conciliares encorajam)
Em outras palavras, em vez de nos esforçarmos para recuperar o lugar do canto na liturgia, a mensagem é: aceitemos de uma vez por todas que a era da missa cantada acabou e vamos arrumar soluções técnicas que resolvam os problemas criados pelo empobrecimento da liturgia. Ironicamente, a ideia descrita por Carbone é restaurar a experiência que o fiel tinha quando ia à missa em São Pedro antes da reforma litúrgica pós-Concílio Vaticano II, mas adaptando essa experiência à liturgia rezada-quase-não-mais-cantada de hoje.
E isso que o Concílio Vaticano II deu algumas instruções bem interessantes sobre a música litúrgica. Olhe lá na Sacrosanctum concilium: “A ação litúrgica reveste-se de maior nobreza quando é celebrada de modo solene com canto, com a presença dos ministros sagrados e a participação ativa do povo” (113); “A Igreja reconhece como canto próprio da liturgia romana o canto gregoriano; terá este, por isso, na ação litúrgica, em igualdade de circunstâncias, o primeiro lugar” (116); “Tenha-se em grande apreço na Igreja latina o órgão de tubos, instrumento musical tradicional e cujo som é capaz de dar às cerimônias do culto um esplendor extraordinário e elevar poderosamente o espírito para Deus” (120); “Promovam-se com empenho, sobretudo nas igrejas catedrais, as Scholae cantorum” (114). Se você sabe de algum lugar onde todas essas diretrizes são cumpridas, avise aí porque estamos precisando saber!
De novo: um novo sistema de som, em si, não tem nada de ruim; e, em termos de distribuição do som, talvez o que fizeram na Basílica de São Pedro seja mesmo o “estado da arte”. Mas precisamos nos perguntar onde foi que escondemos não apenas o canto sacro, mas a própria solenidade das orações cantadas, que o missal de São Paulo VI também permite (e, como pudemos ver, os padres conciliares encorajam). Temos de pensar, também, em como esses quase-galpões e outras bizarrices que passam hoje por igrejas abandonaram completamente a preocupação com a acústica (para não falar do senso estético como um todo); em como o microfone matou a habilidade de projetar a voz em um espaço grande, de se fazer ouvir, de saber como usar a entonação para ressaltar o que tem de ser ressaltado, em vez de simplesmente falar mais alto. Pelo andar da carruagem, estamos diante de um tipo de “redução de danos” que soa mais como “rendição aos danos” mesmo.
O que é que está acontecendo com os diplomatas do Vaticano?
O cardeal Matteo Zuppi, justiça seja feita, não faz parte formalmente do corpo diplomático do Vaticano; é arcebispo de Bolonha e presidente da Conferência Episcopal Italiana. Mas tem alguma experiência em resolução de conflitos (ajudou a mediar o fim da guerra civil de Moçambique, em 1992) e foi o escolhido do papa Francisco para ir a Moscou, Kyiv e Washington em busca de uma solução para a guerra na Ucrânia. No último domingo, o jornal Il Sussidiario publicou uma entrevista com Zuppi em que ele critica a União Europeia por “fazer muito pouco, devia fazer muito mais”.
O título da entrevista é curioso: “por que a Europa não ajuda a iniciativa de paz do papa?” Tá, mas qual é exatamente a iniciativa de paz do papa? O jornalista perguntou a Zuppi: “O que o senhor propôs a seus interlocutores? A paz? Ou a cessação das hostilidades? Ou estes são objetivos muito ambiciosos?” E o cardeal não respondeu nada de específico; falou apenas de “contribuir para tudo o que pode ajudar a paz” e, de concreto, disse simplesmente que “o retorno de uma única criança ucraniana para casa é um meio de afirmar a paz”. E isso é mesmo tudo o que Zuppi poderia dizer, porque no começo de julho, depois de voltar de Moscou, o cardeal disse à RAI, com todas as letras, que “não há plano de paz”. Se não há plano, como a Europa pode “ajudar” no que não existe?
Já temos o fiasco chinês; a diplomacia vaticana não precisa de um fiasco ucraniano. Se o objetivo é atenuar a catástrofe humanitária, por exemplo atuando na repatriação das crianças ucranianas sequestradas pelos russos, ótimo, mas então vamos chamar as coisas pelo que elas são. E não existe nenhum demérito em admitir que o possível neste momento para a Santa Sé é agir neste campo, e não ser um mediador para o fim da agressão russa. Mas, se o objetivo é mais ambicioso, aí ter um plano é o mínimo que se espera; do contrário, Zuppi pode dar as mãos para um certo presidente sul-americano que achava ser capaz de resolver tudo isso numa mesa de bar...