Uma das seções mais doídas de ler no site da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) é a das Análises de Conjuntura. São textos elaborados por um grupo formado por um bispo, o sacerdote assessor de Política da conferência, vários professores universitários e alguns especialistas vinculados a outras entidades. Os resultados, mês após mês, trazem um viés claro à esquerda, muitas vezes comprando os discursos dos líderes esquerdistas brasileiros sem pestanejar, em todos os assuntos – como, por exemplo, ao afirmar que “não há margem para um de-escalonamento da circunstância [a guerra na Ucrânia] se alguma das partes não abrir mão de algum orgulho prático”. Orgulho prático? Desde quando insistir em lutar pela sobrevivência é “orgulho prático”? Fora todo o papo de “Bolsonaro mau e autoritário, Lula bom e democrático”, as críticas às reformas, ao “neoliberalismo”, enfim, é o pacote completo.
Em abril do ano passado, durante a Assembleia Geral da CNBB, a dose veio dobrada. Além da análise padrão, redigida por esse mesmo grupo, houve também uma “análise de conjuntura eclesial” redigida por outro comitê e cujo conteúdo era ainda mais absurdo, demonizando totalmente qualquer coisa que cheirasse a conservadorismo, defesa firme da doutrina católica, reverência na liturgia, o que fosse. Alguns bispos que estavam em Aparecida e com quem falei durante a Assembleia Geral me disseram que mesmo vários bispos ditos “progressistas” não receberam bem o documento, embora a insatisfação tivesse durado pouco, já que logo na sequência as atenções se voltaram às eleições para os cargos de comando da conferência.
Gostem ou não os bispos, o fato é que as Análises de Conjuntura ajudam a fomentar a ideia de que a CNBB tem viés político à esquerda, abrindo o flanco para críticas, das sensatas e respeitosas às mais tresloucadas
A Análise de Conjuntura não é um documento oficial da CNBB, não representa o pensamento nem da entidade, nem da coletividade dos bispos (e nem haveria como, sendo o episcopado brasileiro um grupo bastante heterogêneo), mas de certa forma a CNBB acaba emprestando o peso do seu nome a essas análises esquerdizantes, publicando-as em seu site. Gostem ou não os bispos, o fato é que isso ajuda a fomentar a ideia de que a entidade tem viés político à esquerda, abrindo o flanco para críticas, das sensatas e respeitosas às mais tresloucadas.
No entanto, quando olhamos o site da CNBB vemos que as análises apresentadas na Assembleia Geral foram as últimas publicadas. Isso não significa que elas deixaram de ser feitas; só não estão aparecendo no site da conferência episcopal. O Centro Nacional de Fé e Política Dom Hélder Câmara (que é vinculado à CNBB) traz, por exemplo, a análise de novembro de 2023; percebe-se que a composição do grupo redator foi ligeiramente alterada, mas os velhos vícios continuam lá. O que Israel faz em Gaza é “destruição total” que é “marca da barbárie da atualidade”, um “castigo coletivo” (aqui o grupo cita o secretário-geral da ONU), enquanto o que o Hamas fez em 7 de outubro é apenas “ataque” – a palavra “terrorismo” foi omitida pelos autores do relatório. “Neoliberalismo” é coisa do passado; agora já entramos no “ultraneoliberalismo” (daqui a pouco vai faltar prefixo). Só a direita, ou melhor, “extrema direita” manipula as religiões em benefício próprio. Defensores de privatizações agora são “grupos de interesses antidemocráticos”. Sobre os abusos jurídicos cometidos pelo STF na repressão aos vândalos do 8 de janeiro, o texto não diz nada. O “posicionamento político” do Supremo (leia-se ativismo judicial) virou algo pelo que “a sociedade brasileira clama”, e não um tapetão provocado por psóis e outros esquerdistas incapazes de vencer os debates políticos no Legislativo. Há uma ou outra falha na Matrix, como a menção mais explícita à ditadura e à perseguição religiosa na Nicarágua, mas o nome de Daniel Ortega nem aparece no texto, assim como também não se diz ali que se trata de uma ditadura de esquerda – pelo contrário, o termo “extrema direita” e os nomes de seus líderes são abundantemente mencionados sempre que há oportunidade.
A razão pela qual o site da CNBB não incluiu a análise de novembro (não sei se houve outras; a introdução do texto deixa a entender que não), se foi puro esquecimento ou se a conferência está de alguma forma tentando se distanciar desses textos, é algo que ainda não consegui descobrir (sigo tentando). Mas é absolutamente certo de que temos, hoje, uma direção da CNBB bem mais equilibrada que a das últimas gestões. E os católicos conservadores precisam entender que certas coisas demoram a mudar, especialmente quando se trata de práticas bastante entranhadas como é a das Análises de Conjuntura politicamente enviesadas.
Aliás, esses católicos também precisam entender que a CNBB tem um papel institucional que exige um trato civilizado com as autoridades. O católico vê o presidente ou o secretário-geral da CNBB sorrindo em uma foto com Lula ou com Flávio Dino e já sai rasgando as vestes porque, na cabeça dessas pessoas, as únicas palavras que um bispo deveria dizer diante de um político de esquerda são as do Ritual Romano: “eu te esconjuro, Satanás, inimigo da salvação humana” e assim sucessivamente, aspergindo água benta em cima do sujeito. Não é assim que funciona, e canais de diálogo precisam existir, até para que a Igreja possa expressar suas preocupações em relação aos temas que lhe são caros, da defesa da vida e da família à preservação da liberdade religiosa.
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