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Marcio Antonio Campos

Marcio Antonio Campos

Vaticano, CNBB e Igreja Católica em geral. Coluna atualizada às terças-feiras

Dom José Luis Azcona

Falta transparência nas decisões vaticanas sobre bispos

Dom José Luís Azcona, prelado emérito do Marajó, durante a Assembleia Geral da CNBB, em abril de 2023. (Foto: Luiz Lopes Jr./CNBB)

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A onda de decisões papais envolvendo a “demissão”, punições ou realocação forçada de bispos chegou ao Brasil. No sábado, em comunicado, o administrador diocesano da prelazia de Marajó (PA) afirmou que a Nunciatura Apostólica solicitou ao bispo emérito dom José Luis Azcona Hermoso que não mais residisse no território da prelazia. Dom Azcona governou a prelazia entre 1987 e 2016, quando o papa Francisco aceitou sua renúncia por motivos de idade. O Marajó está para receber um novo bispo, dom José Ionilton Lisboa de Oliveira, nomeado no mês passado para suceder dom Evaristo Spengler, que foi transferido para a diocese de Roraima.

A pergunta que todos estão se fazendo é bem simples: por quê? “Não recebemos da Nunciatura nenhuma notificação das motivações para tal pedido e nem mesmo detalhes”, afirmou a prelazia no Instagram – a Nunciatura, recorde-se, não decide nada em casos como este; ela é apenas o mensageiro, já que a ordem vem mesmo é do Vaticano. Dom José Ionilton já afirmou que ele não solicitou absolutamente nada a Roma sobre a permanência de dom Azcona no Marajó, onde ele é bastante estimado pela população; o novo bispo prometeu interceder junto ao Vaticano para que dom Azcona não tenha de ir embora; um encontro entre os dois está marcado para esta terça-feira.

Ao não justificar decisões como a “demissão” de Joseph Strickland ou o “despejo” de dom Azcona, o Vaticano só alimenta as especulações – especialmente as especulações de que há uma perseguição a bispos mais “conservadores” ou “tradicionais”

É público que dom Azcona, espanhol de nascimento que chegou ao Brasil em 1985, tem a cabeça a prêmio no Pará há mais de uma década e meia, especialmente por seu trabalho contra a exploração sexual de mulheres e meninas. No entanto, ele jamais manifestou a intenção de deixar o Marajó em nome de sua segurança pessoal, mesmo depois de ter se tornado emérito. Se a razão para o pedido da Nunciatura fosse essa, teria sido muito simples justificá-lo alegando que, apesar da insistência de dom Azcona em ficar onde está, o Vaticano havia avaliado que seria melhor para ele viver em outro lugar, a salvo das ameaças, e pronto. Mas não afirmaram que o motivo era esse; na verdade, como disse a prelazia, não afirmaram motivo nenhum.

A falta de transparência, infelizmente, tem sido a marca nas decisões recentes relativas a bispos que vão além das costumeiras transferências, renúncias e nomeações. No caso do bispo Joseph Strickland, agora emérito de Tyler, no Texas, foi a mesmíssima coisa. Todos sabem o que ele defende, o que ele afirma, o que ele faz, como conduziu sua diocese, independentemente de concordarmos ou não. O problema é que, assim como no “despejo” de dom Azcona, o Vaticano não ofereceu nenhuma justificativa para a remoção de Strickland. Foram as declarações (de próprio punho ou compartilhadas por ele) difíceis de defender sobre o papa Francisco? Foram falhas administrativas de Strickland à frente da diocese? Foi alguma outra coisa descoberta durante a visitação apostólica realizada no meio do ano? O Vaticano não diz nada, e ao não dizer nada só alimenta as especulações – especialmente as especulações de que há uma perseguição a bispos mais “conservadores” ou “tradicionais”, enquanto os heterodoxos (para não dizer outra coisa) ganham passe livre no Vaticano.

E aqui há outro ponto em comum entre as histórias de Strickland e Azcona, que ganhou ainda mais notoriedade em 2019 quando foi um dos raros bispos da região amazônica a criticar o rumo que estava sendo dado ao Sínodo da Amazônia. O prelado do Marajó participou do encontro em Roma, mas não gostou do Instrumentum laboris – “Cristo crucificado não é proclamado nem lembrado uma só vez”, afirmou antes do Sínodo – e ainda denunciou o tal “escândalo da Pachamama”, quando uma estátua da “mãe terra” foi venerada em uma igreja romana. A coluna ainda apurou que o bispo não é nada adepto de inculturações litúrgicas, nem da Teologia da Libertação, e por isso não é visto com bons olhos por parte do clero e do episcopado da região amazônica.

Mas, se for isso, por que demorou tanto tempo, se dom Azcona vem fazendo essas críticas ao menos desde 2019? Também só podemos especular, e aí está o problema da falta de transparência. Assim como o próprio papa também disse ao jornalista (e seu biógrafo) Austen Ivereigh que simplesmente comunicou aos chefes de dicastérios da Cúria, “sem dar explicações específicas”, que estava retirando o apartamento (e, possivelmente, o salário) do cardeal Raymond Burke – o máximo que Francisco disse a Ivereigh era que o cardeal estava “usando esses privilégios contra a Igreja”, mas de que forma isso estaria acontecendo, bom, difícil dizer. Enquanto isso, os Martins, os Rupniks e os sinodais alemães continuam por aí, livremente, fazendo e dizendo o que querem e onde querem. O papa tem autoridade para tomar as decisões que tomou sobre Burke, Strickland e Azcona? Creio que sim, embora deixe a resposta definitiva para os especialistas em Direito Canônico. Mas medidas drásticas ou incomuns exigem mais transparência do que temos visto até agora.

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