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Duas semanas atrás, comentei aqui na coluna o guia montado pelos bispos norte-americanos para as eleições gerais que ocorrerão por lá em novembro. Mas por aqui também temos algumas iniciativas neste sentido, de olho nas eleições municipais de outubro. A Regional Sul 2 da CNBB, que corresponde ao estado do Paraná, elaborou uma Cartilha de Orientação Política que está disponível para download gratuito. Sei que muitos de vocês vão ver ali o “CNBB” e olhar torto, torcer o nariz, mas eu aconselho: deem uma chance que vocês não sairão decepcionados.
Uma parte substancial da cartilha é mais informativa que propriamente de orientação, mas o que vem lá é interessante, por exemplo ao explicar exatamente quais são as competências de cada esfera de governo. Afinal, o que mais vemos por aí é candidato a prefeito ou vereador prometendo coisas que nem são de responsabilidade do município, ou do Executivo municipal, ou da Câmara de Vereadores. A explicação sobre como funciona o sistema proporcional (que ainda é um mistério pra muita gente) está simples, mas boa; e o alerta sobre manipulação de imagens e vídeos com inteligência artificial vale a pena, com dicas para as pessoas identificarem montagens e fake news antes de saírem compartilhando tudo o que recebem. A cartilha tem até um aviso sobre esses curiosos milagres de época eleitoral, quando candidato começa de repente a aparecer na igreja...
Quem hoje se elege prefeito ou vereador, com raríssimas exceções, amanhã tentará ser deputado estadual, federal, senador, governador, presidente. Por isso, carreira política de abortista tem de ser cortada na raiz
O que me pareceu mais fraquinha, na terceira parte, foi a explicação sobre democracia, que parece resumir o regime democrático à realização de eleições periódicas e alternância de poder. Faltou toda uma defesa do Estado de Direito, do império da lei, das liberdades e garantias constitucionais... aqui eu aconselho o leitor a ler o texto sobre democracia nas convicções da Gazeta do Povo – que, aliás, também trata de outros temas mencionados na cartilha da CNBB Sul 2, como o bem comum e a subsidiariedade. Mas paciência. O que eu realmente queria ver bem feito era a parte da orientação propriamente dita, e ali os bispos entregaram bem.
Essa primeira parte é repleta de citações dos papas desde Leão XIII e de referências à Doutrina Social da Igreja, com a enumeração dos seus princípios fundamentais, e tem uma defesa da participação da Igreja Católica no debate público, sem promover este ou aquele político ou partido, mas defendendo os princípios que lhe são caros. Eu particularmente achei importante a menção ao apaziguamento dos ânimos em tempos de polarização política acirrada, com o estímulo a tratarmos os que discordam de nós não como inimigos a eliminar, mas como adversários com quem se pode debater.
Também achei essencial o aviso para que o eleitor conheça a posição dos candidatos sobre temas como a defesa da vida desde a concepção até a morte natural – podiam ter acrescentado também os temas relativos à família, ideologia de gênero e ao redesenho de concepções como a do casamento, mas já incorporei o you can’t always get what you want. A cartilha diz o seguinte:
“Verifique se o candidato é comprometido com a defesa e a proteção da vida de todas as pessoas, desde a concepção até a morte natural. Isso pode incluir posições sobre o aborto, a eutanásia, a pena de morte, o incentivo à violência de qualquer natureza e, ainda, os direitos dos imigrantes.”
Os bispos fizeram um bom trabalho, que eu espero seja um começo para termos eleitores católicos bem formados e conscientes
Ah, mas o que prefeito e vereador têm a ver com aborto? Isso não é coisa pra esfera federal, presidente da República, deputados federais, senadores? Sim, é. Mas lembre-se: quem hoje se elege prefeito ou vereador, com raríssimas exceções, amanhã tentará ser deputado estadual, federal, senador, governador, presidente; e aí aquela posição favorável ao aborto, que o eleitor relevou porque era inofensiva quando o sujeito era vereador, vai fazer diferença – para o mal. Eu, particularmente, acho que carreira política de abortista tem de ser cortada na raiz mesmo. Só esse motivo já justificaria o pedido dos bispos para que os católicos, na hora de votar, se informem sobre o que seus candidatos pensam sobre esses assuntos, ainda que eles não sejam o tipo de tema discutido na esfera municipal.
Podia ser melhor? Sem dúvida que podia; já que há uma menção breve a políticas econômicas, poderiam, por exemplo, falar do dano causado por um governo que gasta muito mais do que arrecada, e alertar para promessas de “tudo grátis”, já que tudo tem um custo e alguém sempre há de pagar por ele; poderiam ter lembrado que, ainda que a Igreja não endosse partidos ou candidatos, ela condena certas filosofias e correntes políticas que se opõem aos princípios da Doutrina Social da Igreja (está no Compêndio, mas a Centesimus annus também dá um bom panorama sobre isso); e a linguagem não é tão enfática quando no guia dos bispos norte-americanos. Mas isso não quer dizer que a cartilha do Regional Sul 2 seja ruim, ou insossa, ou medíocre, pelo contrário: os bispos fizeram um bom trabalho, que eu espero seja um começo para termos eleitores católicos bem formados e conscientes, que façam boas escolhas sempre que forem às urnas.