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Marcio Antonio Campos

Marcio Antonio Campos

Vaticano, CNBB e Igreja Católica em geral. Coluna atualizada às terças-feiras

Celebrações litúrgicas

Vem aí a era do casamento minimalista

Casamento relâmpago
O rito do casamento já é curtinho, e agora tem padre tirando até as leituras da celebração. (Foto: Marcio Antonio Campos com Midjourney)

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Fiquei sabendo de uma paróquia (vou contar o milagre, mas não vou contar o santo, não adianta perguntar) onde o pároco simplesmente mandou limar a leitura e o salmo das cerimônias de casamento. Simplesmente caiu: os noivos entram, o padre (ou diácono) faz a saudação, a oração inicial e já parte direto para a leitura do Evangelho. E eu fico aqui pensando por que raios tanta gente se empenha tanto em reduzir cada vez aquele que deveria ser um dos momentos mais felizes da vida de duas pessoas que escolhem construir uma família.

A primeira pergunta, obviamente, é: pode isso, Arnaldo? Aparentemente, pode. A Instrução Geral do Ritual do Matrimônio, referindo-se à celebração sem missa, afirma que “pode-se tomar uma das leituras previstas para a celebração do Matrimônio (nn. 179-222)” (n. 34). Os parágrafos 179 a 222 listam todas as leituras bíblicas possíveis, do Antigo Testamento, do Novo Testamento, dos Evangelhos e dos Salmos. Se o texto diz “pode-se tomar uma”, pelo jeito há brecha para deixar apenas o Evangelho e tirar a outra leitura e o salmo.

Mas, ainda que seja possível, não é nada aconselhável. A lista de leituras das quais os noivos podem escolher até três (tirando o Evangelho) é cheia de preciosidades. O “serão uma só carne” do Gênesis; a oração de Tobias e Sara; a “mulher forte” de Provérbios; o elogio paulino à caridade; as obrigações mútuas de marido e esposa; o amor como “vínculo da perfeição”; o “Deus é amor” joanino; os salmos sobre a recompensa que Deus garante às famílias fiéis. Por que alguém, padre ou nubente, prefere desprezar todas essas riquezas para economizar uns poucos minutos (ou por qualquer outro motivo besta) é algo que me escapa completamente ao entendimento.

O que a Igreja recomenda, inclusive no Catecismo, é a celebração do matrimônio dentro da missa. Mas que paróquia faz isso hoje em dia?

Na verdade, o ideal, ideal mesmo, o que a Igreja recomenda, é o exato oposto desse encurtamento do rito matrimonial: é a celebração do Matrimônio dentro da missa. Está lá, na Instrução Geral do Ritual do Matrimônio: “normalmente o Matrimônio seja celebrado na Missa” (n. 29). Logo depois, o texto diz que “o pároco, respeitando tanto as necessidades do trabalho pastoral como o modo de participar da vida da Igreja, seja dos noivos, seja dos presentes, veja se é melhor propor a celebração do Matrimônio fora da Missa”. Ou seja, o padrão é a missa nupcial, e o sacerdote pode propor a celebração do rito do matrimônio sem missa dependendo de circunstâncias específicas (que a Instrução Geral não aprofunda). Mas eu pergunto ao leitor: a quantos casamentos celebrados dentro da missa você já assistiu? O meu, felizmente, foi assim, mas exigiu uma verdadeira saga: quando dissemos à secretária da matriz de Gaspar (SC) que desejávamos um casamento com missa, ela perguntou: “mas existe isso?”. Não é exagero. Agora, pensem comigo: se uma secretária de paróquia não sabe disso, quantos casais de noivos também não têm a menor ideia de que há essa possibilidade? E quantos não optariam pelo casamento com missa, se tivessem a chance de escolher?

Proponho aqui um paralelo com a celebração de outro sacramento diretamente ligado ao chamado divino: o da Ordem. Nunca vi uma ordenação sacerdotal ou episcopal que ocorresse fora da missa, apenas com a celebração do rito das perguntas do bispo, da imposição das mãos, da entrega das vestes sacerdotais ou episcopais, e pronto. Se é assim com o sacramento da Ordem, por que não com o Matrimônio? Alguém haverá de me dizer que a cada fim de semana uma cidade média tem dezenas de casamentos, enquanto se houver cinco ordenações sacerdotais em um ano o bispo já estará pulando de alegria, que se todos esses casais quisessem missa não teria tempo pra todo mundo, etc. Até concedo uma dificuldade (dificuldade, não impossibilidade) prática, mas convenhamos que ela empalidece totalmente diante do argumento teológico para a celebração do casamento dentro da missa. E ele está no Catecismo:

1621. No rito latino, a celebração do Matrimônio entre dois fiéis católicos tem lugar normalmente no decorrer da Santa Missa, em virtude da ligação de todos os sacramentos com o mistério pascal de Cristo. Na Eucaristia realiza-se o memorial da Nova Aliança, pela qual Cristo se uniu para sempre à Igreja, sua esposa bem-amada, por quem se entregou. Por isso, é conveniente que os esposos selem o seu consentimento à doação recíproca pela oferenda das próprias vidas, unindo-a à oblação de Cristo pela sua Igreja, tornada presente no sacrifício eucarístico, e recebendo a Eucaristia, para que, comungando o mesmo corpo e o mesmo sangue de Cristo, ‘formem um só corpo’ em Cristo.”

Em resumo, se a Missa é a entrega de Cristo à Igreja, sua Esposa, e se no Matrimônio noivo e noiva se entregam uns aos outros, nada mais justo que celebrar este dentro daquela. Mas o cotidiano da maioria das paróquias é totalmente diferente, e agora um rito que já é relativamente curto está sendo enxugado até o mínimo possível. A coisa anda tão feia que, se algum padre argumentasse que Jesus não fez o seu primeiro milagre na celebração do casamento em Caná, e sim na festa, eu não ficaria surpreso.

Pelo andar da carruagem, em breve teremos o casamento minimalista: apenas a entrada dos noivos (isso se não resolverem que só a noiva vai percorrer todo o corredor da igreja), o padre ou diácono já faz as perguntas, os noivos fazem as promessas, trocam as alianças, comungam, recebem a bênção nupcial e já saem correndo para dar lugar ao próximo casal. Pobres nubentes, tratados como carro em fila de drive-thru...

Umas poucas palavrinhas sobre a restauração de Notre Dame

A catedral de Notre Dame, em Paris, foi reinaugurada no último fim de semana, em uma cerimônia com vestes litúrgicas que homenagearam o jogo Uno, e agora todos podem ver essas duas atrocidades destoando completamente de toda aquela beleza:

Altar da catedral de Notre DameO novo altar da Catedral de Notre Dame, em Paris. (Foto: Christophe Petit Tesson/EFE/EPA)
Pia batismal da Catedral de Notre DameE a nova pia batismal da Catedral de Notre Dame. (Foto: Christophe Petit Tesson/EFE/EPA)

Não sei se devo torcer por um novo incêndio que acabe com esse altar (o anterior já era bem feio, lembro de ter assistido à missa lá em 2010) e essa pia batismal, ou se é melhor deixar como está porque, se precisarem reconstruir outra vez, é capaz de sair coisa ainda pior. E isso é tudo o que eu tenho a dizer no momento.

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