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Reunião de junho de 2024 do Conselho Permanente da CNBB. Da esquerda para a direita, dom Jaime Spengler, presidente; dom Ricardo Hoepers, secretário-geral; e dom João Justino Medeiros, primeiro vice-presidente.
Reunião de junho de 2024 do Conselho Permanente da CNBB. Da esquerda para a direita, dom Jaime Spengler, presidente; dom Ricardo Hoepers, secretário-geral; e dom João Justino Medeiros, primeiro vice-presidente.| Foto: Luiz Lopes/Assessoria de Comunicação CNBB

Assim que o PL 1.904/24 – que pune abortos tardios com a mesma pena do homicídio culposo – ganhou força na Câmara, a reação foi visceral e, posso dizer assim, infernal. Afinal, só mesmo o pai da mentira pode ter inspirado uma campanha tão baixa de mentiras a respeito do projeto de lei, que não vai atingir nenhuma gestante menor de idade (elas seguem inimputáveis), não obriga mãe nenhuma a ficar com o filho, e não muda absolutamente nada para o estuprador (que segue sujeito às mesmas penas de antes). Aliás, vejam como o abortismo simplesmente ignora o nascituro quando impõe uma comparação entre a pena do estuprador e a pena da vítima do estupro, alegando que essa última seria maior, quando na verdade estamos falando do aborto – e a vítima aí é a criança, que morre em 100% dos casos. É muito, mas muito razoável uma pena de prisão para quem, podendo escolher entre dar uma chance de sobrevivência ao bebê e matá-lo sem motivo algum (sendo que ambas as opções encerram a gravidez), opta por matar a criança.

E justamente porque a “opinião publicada” (que tem se distanciado cada vez mais da opinião pública) foi tão, mas tão agressiva em sua oposição ao PL 1.904 que temos de elogiar a coragem da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em divulgar uma nota na sexta-feira defendendo a aprovação do projeto de lei. Vejam alguns trechos especialmente significativos:

“As 22 semanas não correspondem a um marco arbitrário. A partir dessa idade gestacional, realizado o parto, muitos bebês sobrevivem. Então, por que matá-los? Por que este desejo de morte? Por que não evitar o trauma do aborto e no desaguar do nascimento, se a mãe assim o desejar, entregar legalmente a criança ao amor e cuidados de uma família adotiva? Permitamos viver a mulher e o bebê.”

Só o pai da mentira pode ter inspirado uma campanha tão baixa de mentiras a respeito do PL 1.904

“Diante do crime hediondo do estupro, que os agressores sejam identificados e que a legislação seja rigorosa e eficaz na punição. É ilusão pensar que matar o bebê seja uma solução.”

“A Igreja Católica neste momento considera importante a aprovação do PL 1.904/2024, mas continua no aguardo da tramitação de outros projetos de lei que garantam todos os direitos do nascituro e da gestante.”

Só lamento de não terem deixado a nota em lugar de destaque na capa do site da CNBB – ao menos na tarde de segunda-feira, enquanto eu escrevia esta coluna, ela nem na capa estava, sendo preciso procurar em “Notícias > Palavra oficial” no menu.

E não foi só a nota. Já existe pelo menos um artigo, de dom Reginei Modolo, bispo auxiliar de Curitiba, em defesa do PL 1.904, em que compara o movimento abortista à transformação dos judeus e outras minorias durante o nazismo, ou dos negros em regimes escravagistas, em “cidadãos de segunda ordem” sem proteção jurídica:

“O que alguns poucos, porém poderosos, estão arquitetando no Brasil – arquitetura/engenharia social, construção dos corpos, controle da população, biopolítica –, é negar ao embrião e/ou bebês in utero o status de pessoa, para que se os possa matar sem que se cometa crime, descriminalização. Ninguém poderia questionar que os judeus, ciganos e outros eram vidas humanas, seres humanos, então se lhes negara a nacionalidade alemã.”

“Ninguém pode objetar cientificamente que o embrião e/ou feto não é uma vida humana, um ser humano em uma das suas várias fases de desenvolvimento. Porém, fazendo uso do mesmo modus operandi, defensores do aborto intentam negar ao embrião e/ou bebês in uterostatus de pessoa, bem como excluí-los do ‘todos’, presente no texto da Carta Magna. Se bem-sucedidos, tornarão elimináveis qualquer vida humana in utero – por enquanto estas –, vidas matáveis sem que se cometa crime.”

“Eis aí, com clareza ímpar e manifesta, a necessidade de aprovação do PL 1904/2024. Embora insuficiente para que a vida humana seja protegida em todas as etapas do seu desenvolvimento, da concepção à morte natural, é um passo gigantesco em tal direção.”

O ódio que o PL 1.904 despertou na imprensa foi tão virulento que há grande mérito em qualquer um que venha a público defender o projeto e sujeitar-se à inevitável execração

Muito zé cruzadinha por aí haverá de dizer que é o mínimo que se esperaria da CNBB, que a conferência não fez mais que a obrigação. Talvez seja, mas repito: o ódio que o PL 1.904 despertou na imprensa e entre formadores de opinião foi tão virulento que há grande mérito em qualquer um, indivíduo ou instituição, que venha a público defender o projeto e sujeitar-se à inevitável execração. Em outra ocasião, afirmei que há sabedoria em escolher quando agir nos bastidores e quando se posicionar publicamente. Desta vez a conferência optou pela nota, e provavelmente a CNBB e dom Reginei já fizeram mais que alguns políticos de estimação de muita gente.

Certo é que já fizeram mais que alguns veículos de comunicação que podem até não ser confessionalmente católicos (no sentido de ter a defesa da doutrina da Igreja como linha editorial), mas que se dedicam a acompanhar a Igreja e por isso deveriam entender melhor do que falam. A reportagem do Crux, por exemplo, engana no título (e bastaria ter adicionado um “late” antes de “abortion” para acertar), demora uma eternidade para afirmar que o PL se refere apenas a abortos depois da 22.ª semana de gestação, praticamente não explica por que esse marco é importante, e ainda engole bonito a mentira abortista sobre a criminalização de gestantes menores de idade. Um desserviço que só não foi maior graças à participação sempre positiva da Elizabeth Kipman.

Independentemente do destino do PL 1.904, uma coisa que eu gostaria de ver seria a renovação daquela iniciativa de orações que a CNBB lançou às vésperas do início do julgamento da ADPF 442 no Supremo. A Oração do Nascituro é atemporal, não menciona nenhuma ação judicial ou projeto de lei em especial. E a prece que a CNBB recomendava pode ser alterada para algo mais genérico, pedindo que prosperem os projetos de lei que defendam a vida e que a cultura da morte seja derrotada nos três poderes. E aí, rezar. Não apenas um domingo em especial, mas todo domingo, até a vida vencer.

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