Numa triste coincidência, horas depois de ter publicado, em minha coluna de ciência e fé, uma breve menção à “opção beneditina” e à “opção Escrivá”, soube do cancelamento do preparador físico Diego Falcão, que por causa de publicações pró-vida nas mídias sociais perdeu a possibilidade de seguir trabalhando com a seleção brasileira de basquete feminino – ele só não foi formalmente demitido porque não tinha vínculo empregatício com a Confederação Brasileira de Basquete. Falcão, católico e devoto de Nossa Senhora de Fátima, compartilhou frases do padre Paulo Ricardo e de Santa Teresa de Calcutá contra o aborto; algumas reportagens disseram que ele também teria defendido o PL 1.904, que pune o aborto tardio – aquele feito quando o bebê já tem chance de sobrevivência fora do útero – com as mesmas penas do homicídio culposo, mas não achei publicações desse teor.
Não adianta, aqui, ficarem tentando dar voltas, alegando que o motivo da decisão da CBB foi uma “quebra de confiança” por parte das jogadoras; Falcão perdeu a chance de seguir trabalhando com a seleção por ter emitido uma opinião “errada”. Sua cabeça foi pedida (irônico isso ter acontecido uns dias antes da festa de São João Batista, ainda que da natividade, e não do martírio) por algumas jogadoras – a maioria das reportagens sobre o tema fala em duas atletas, não sei se o restante do time se manifestou também, se concordou em silêncio ou se discordou em silêncio para não receber retaliações – e houve campanha por parte de perfis no X, como o NBA das Mina. O perfil chegou a se revoltar com o fato de Falcão ter republicado uma mensagem do padre Paulo Ricardo dizendo que “desde toda a eternidade Deus sonhou com você” indepentendemente de “como você foi concebido, se em pecado, não sei se nasceu de um estupro ou de um casamento sacramentado, não me importa”. Convenhamos, para alguém se indignar assim e chamar de “moralista” uma mensagem dessas, sobre o amor incondicional de Deus por todos, é para estar com a bússola moral muito desregulada.
Há dois anos, a Gazeta do Povo publicou um editorial sobre como, lentamente, se está construindo um cenário em que o discurso pró-vida é considerado inaceitável, absurdo, extremista. O abortismo não quer debater; ele quer expurgar totalmente da arena pública a defesa da vida. E isso inclui ostracizar os defensores do PL 1.904 (mas repito: não achei publicações de Falcão defendendo o PL), embora seja perfeitamente razoável pretender que, numa situação em que um bebê pode sobreviver fora do útero, a lei proíba que ele seja assassinado, encerrando-se a gravidez não pelo aborto, mas pela antecipação do parto, com oferta de todos os cuidados médicos disponíveis para que o bebê consiga sobreviver e posterior entrega para adoção. Aliás, pleitear a proibição total do aborto tardio não é apenas razoável: é a única alternativa verdadeiramente humana, a que preserva as duas vidas, pois a antecipação do parto é procedimento muito menos arriscado para a mãe em comparação com o aborto e a posterior expulsão do feto morto.
Alegar que o motivo da decisão da CBB foi uma “quebra de confiança” por parte das jogadoras é tentar embelezar a dura verdade: Falcão saiu por ter emitido uma opinião “errada”
A coluna enviou mensagem a Falcão, mas ainda não teve resposta. No Instagram, ele agradeceu as manifestações de apoio e prometeu se pronunciar em breve sobre o caso. Espero sinceramente que ele não perca ainda mais oportunidades e contratos por causa disso. Mas o episódio envolvendo o preparador físico, que ficará sem uma grande oportunidade profissional por causa de uma opinião que não tem absolutamente nada a ver com seu trabalho, me leva a resgatar aqui o tema da “opção beneditina”.
Li o livro de Rod Dreher (que, até onde eu sei, hoje é ortodoxo, tendo sido católico e protestante) há muitos anos, ainda antes de ganhar tradução em português, e o achei muito instigante. O seu diagnóstico é o de que será cada vez mais difícil para um cristão levar uma vida normal no mundo contemporâneo. Não se trata simplesmente de um mundo paganizado, mas de um mundo hostil e pronto para perseguir os cristãos. Ao menos no Ocidente, não é mais a perseguição à moda antiga, pois o diabo é inteligente e já viu que derramar sangue não deu certo; agora, os cristãos convictos, os que ousam ter fé e proclamá-la publicamente, com todas as consequências em temas como vida e família, não perdem a vida, mas perdem o emprego (em qualquer área, por mais competente que seja o cristão) e a reputação, seus filhos terão problemas caso não se conformem ao identitarismo nas escolas etc.
O diagnóstico me parece muito acertado. A pergunta é: como reagir a isso? A “opção beneditina” de Dreher é uma espécie de “recuo estratégico” em que os cristãos terão de se reunir em algum tipo de comunidades semiautônomas, onde possam viver, trabalhar e educar seus filhos em paz; e, depois que o identitarismo engolir a si mesmo e terminar de destruir a sociedade ocidental, esses cristãos estarão prontos para reconstruí-la como os beneditinos fizeram na Alta Idade Média. Já a “opção Escrivá”, inspirada no fundador do Opus Dei, corresponde a aceitar que, se Deus quis que vivêssemos neste mundo, é com este mundo que vamos lidar e é este mundo que vamos evangelizar. Então, vamos aguentar o tranco, dar bom exemplo, não fugir da arena pública, sempre apoiando-nos mutuamente porque, do contrário, vamos ser engolidos, sim.
Justiça seja feita, o artigo sobre a “opção Escrivá” é de 2015, quando Dreher ainda propunha uma versão mais “crua” da “opção beneditina”; desde então, o autor refinou bastante seu pensamento, e inclusive afirma que as comunidades propostas por ele não precisam ser fisicamente apartadas do resto da sociedade, muito menos literalmente construídas ao redor de um mosteiro, igreja ou o que for que proporcione vida religiosa aos cristãos; tais comunidades poderiam até mesmo coexistir com a vida urbana. Nesse sentido, as duas “opções” não seriam antagônicas, como aliás observou o Marco Ridenti num comentário lá no Tubo de Ensaio; elas inclusive parecem convergir ao menos em alguns aspectos.
Continuo sendo muito mais simpático à “opção Escrivá”, mas sempre que acontece algo como o que ocorreu com Falcão eu me pego pensando que, por enquanto, tanto a “beneditina” quanto a “Escrivá” são opções – ou seja, algo que ainda podemos escolher. Temo que em algum momento não exista mais a opção, que sejamos forçadamente excluídos de uma sociedade que tem ódio à fé e à verdade. Claro, mesmo crendo na vitória final de Cristo, sabemos que antes dela haverá tribulações; não sei se é desta forma que elas ocorrerão, mas a cada dia o cenário me parece mais e mais plausível.
Caminhando convictos rumo à perdição
Falando em PL 1.409, dias atrás um grupo chamado “Padres da Caminhada” – dizem eles que são 461 diáconos, padres e bispos – soltou uma nota horrenda contra o projeto de lei, que eles chamam de “PL dos Estupradores”, comprando a narrativa abortista e ignorando que o texto não alivia absolutamente nada para quem comete estupros. Dizem-se “contra o aborto”, mas só sabem citar o maior abortista que há no STF, Luís Roberto Barroso, e dois notórios “coroinhas de Lula”, o bispo dom Angélico Bernardino e o pastor Ed René Kivitz.
Algo me diz que o caminho escolhido pelos “padres da caminhada” vai levá-los a um destino bem, bem desagradável
Não há uma única palavra em defesa da vida do bebê que poderia sobreviver fora do útero, e que os “padres da caminhada” preferem ver sujeito à possibilidade de ser assassinado. “Criminalizar uma mulher vítima de estupro e abuso é violentá-la novamente”, afirmam eles, deixando de fora da frase a grande vítima do aborto e ignorando que mulher nenhuma seria criminalizada por ser vítima de violência, mas por consentir, procurar ou provocar a morte de um ser humano indefeso e inocente, ser humano este que teria condições de sobreviver se lhe fosse dada essa chance – é este o crime que está sendo punido.
Agora, pensemos nesse nome, “padres da caminhada”. Excluindo-se o exercício físico, caminha-se sempre para chegar a algum lugar. Os “padres da caminhada” sabem para onde estão querendo ir? Talvez até tenham uma ideia do lugar que pretendem alcançar, mas algo me diz que o caminho escolhido por eles, esse caminho que passa pelo desprezo à vida nascente, pelo apego a ideologias assassinas e a políticos vis, vai levá-los (mais cedo que mais tarde, caso a maioria deles tenha os “cabelos brancos” de que se queixou Frei Betto um dia) a um destino bem, bem desagradável. Mas ainda há tempo de mudar de rota e seguir realmente o Senhor da Vida.
Uma sugestão para os padres que querem caminhar na direção certa
Na semana passada, sugeri que a CNBB renovasse a iniciativa de orações pela defesa da vida no Brasil:
“Independentemente do destino do PL 1.904, uma coisa que eu gostaria de ver seria a renovação daquela iniciativa de orações que a CNBB lançou às vésperas do início do julgamento da ADPF 442 no Supremo. A Oração do Nascituro é atemporal, não menciona nenhuma ação judicial ou projeto de lei em especial. E a prece que a CNBB recomendava pode ser alterada para algo mais genérico, pedindo que prosperem os projetos de lei que defendam a vida e que a cultura da morte seja derrotada nos três poderes. E aí, rezar. Não apenas um domingo em especial, mas todo domingo, até a vida vencer.”
O que eu esqueci de dizer é que ninguém precisa esperar que a CNBB faça esse pedido. Então, se algum padre estiver lendo a coluna, meu pedido é que tome a iniciativa e comece desde já a incluir a Oração do Nascituro e uma prece específica para que a vida seja protegida e o aborto seja rejeitado em todas as esferas decisórias de poder.
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