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“Ter uma fé clara, segundo o Credo da Igreja, muitas vezes é classificado como fundamentalismo.” (cardeal Joseph Ratzinger, homilia da missa Pro Eligendo Pontifice, 18 de abril de 2005)
Esta frase foi a primeira coisa que me veio à cabeça quando li a reportagem de Natália Zimbrão no site ACI Digital, a respeito do lançamento de um livro sobre “influenciadores digitais católicos” que tem a apresentação escrita por dom Joaquim Mol, bispo auxiliar de Belo Horizonte e ex-presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Comunicação da CNBB no período de 2019 a 2023 – foi durante esse tempo que ele encomendou o trabalho que resultou no livro. Na apresentação, dom Mol crava: “Ainda que haja exceções, a expressão de conteúdos de IDCs [influenciadores digitais católicos] analisados se detém na construção de estereótipos, baseados em premissas moralistas, fundamentalistas, dogmáticas, psicologistas, doutrinais”.
A essa altura, alguns leitores já devem estar pensando: “dom Joaquim Mol, é?” Ele mesmo. O que assinou cartinha tietando Lula após o segundo turno, afirmando que ele e outros bispos “celebramos sua vitória eleitoral” e listando suas prioridades, que não incluíam a defesa da vida desde a concepção nem a proteção da liberdade religiosa. O que negou comunhão a uma crismanda que se ajoelhou para receber Jesus Eucarístico e depois deu uma justificativa bem mequetrefe. Só isso já me deixa com 6x10^23 motivos para desconfiar da sua avaliação sobre os influenciadores. Mas, para ninguém dizer que estou apelando ao ad hominem, sugiro ao leitor que confira o texto integral da apresentação do livro, publicado no site IHU Unisinos (onde mais?).
O influenciador católico, a julgar pelo que afirma dom Joaquim Mol, só pode ser um extremista de direita; um sujeito mais à esquerda, socialmente consciente; ou um alienado puro
Acompanhem o raciocínio do bispo: se o influenciador tem muitos seguidores ou ganha dinheiro com seu canal, é porque vendeu a alma para o algoritmo, enquanto os que podem “promover um diálogo mais autêntico e verdadeiro com seus públicos” são os “IDCs minoritários, que manifestam práticas digitais não alinhadas com as dinâmicas profissionais de influência digital”. A direita e o conservadorismo só aparecem com os prefixos e qualificativos de praxe, como “ultra” e “extrema”, enquanto os “progressistas” são só “progressistas” mesmo. Quando um influenciador não se posiciona politicamente, não é tanto porque queira se concentrar nos temas religiosos, mas porque isso “atende aos objetivos mercadológicos e de visibilidade”, e isso cria “alienação do público e de fortalecimento do status quo, além de uma percepção individualista da dinâmica social e da própria vivência cristã”. Ou seja, só se pode ser um extremista de direita; um sujeito mais à esquerda, socialmente consciente; ou um alienado puro.
A reportagem do ACI Digital traz uma lista de perfis católicos que atraem seguidores na casa dos milhões (mais frequente no caso dos ministros ordenados) ou, pelo menos, das centenas de milhares (como os leigos citados na matéria). Não conheço nem acompanho todos eles, mas os que conheço (com mais ou menos profundidade) oferecem formação doutrinal sólida, baseada não em “leituras pessoais e particulares acerca da verdade, mediante uma autoridade de ensino manipuladora” (!!!), mas no que diz o Magistério da Igreja. Estimulam a prática das virtudes e a vida de oração – juntar centenas de milhares de pessoas para rezar o terço de madrugada, como faz o frei Gilson, é ou não é algo notável?
São todos perfeitos? Certamente que não; de vez em quando vejo apego excessivo a figuras políticas, um tom (ou mais) acima do aceitável para se referir ao papa Francisco, ou um microgerenciamento do comportamento alheio – um comportamento idêntico aos que querem dar “respostas católicas”, sempre de esquerda, a questões socioeconômicas atuais, mas que no caso dos conservadores é aplicado ao comportamento individual. Descontados, no entanto, esses problemas – que não são triviais, admito –, o que eles oferecem é algo pelo qual o católico médio que está na internet anseia: “uma fé clara, segundo o Credo da Igreja”, nas palavras do cardeal Ratzinger, e não sociologia rasteira nem manipulação política da fé por militantes de esquerda.
Mas o que dom Mol espera dos influenciadores católicos é outra coisa: que a tríade “Bíblia, Tradição e Magistério” seja “interpretada em comunhão com a comunidade eclesial hodierna e com o atual pontífice, Francisco, a partir do reconhecimento das transformações da sociedade e de suas demandas presentes” (grifo meu). Destaquei esse trecho porque ele me remete àquilo que o frei Clodovis Boff identifica como a raiz da crise atual da Igreja em seu magistral livro sobre a Teologia da Libertação: a troca das verdades eternas pela acomodação às demandas da sociedade moderna. Isso realmente é algo que os influenciadores criticados pelo bispo não fazem de jeito nenhum.
O que os influenciadores criticados oferecem é algo pelo qual o católico médio que está na internet anseia: “uma fé clara, segundo o Credo da Igreja”, e não sociologia rasteira nem manipulação política da fé por militantes de esquerda
É tudo, portanto, muito parecido com o tom daquela desastrosa Análise de Conjuntura Eclesial que um grupo de pesquisadores apresentou aos bispos do Brasil em abril do ano passado, para o qual o maior problema da Igreja Católica são justamente os influenciadores, que o texto afirma terem um “discurso neotradicionalista que recupera e manipula as expressões do fiel comum presentes nas múltiplas formas de experiências de movimentos de caráter devocionista e espiritualista”. Na conclusão de sua apresentação ao livro, dom Mol chega ao ponto de insinuar que esses influenciadores não seriam autênticos evangelizadores, julgando (e condenando) suas intenções ao considerar que para eles a evangelização está em segundo plano. Como se fosse algo abominável querer levar a mensagem do Cristo e de sua Igreja ao maior número possível de pessoas.
A citação de Ratzinger não foi a única que me ocorreu ao ler as palavras de dom Joaquim Mol, para ser honesto. Também me lembrei daquelas imortais palavras de Tino Marcos, respondendo ao chamado “diga, Tino!”, feito por Galvão Bueno: “Sentiu”.