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Harrison Butker (camisa 7) no momento do chute que deu a vitória a seu time, o Kansas City Chiefs, no Super Bowl LVII, disputado em fevereiro de 2023.
Harrison Butker (camisa 7) no momento do chute que deu a vitória a seu time, o Kansas City Chiefs, no Super Bowl LVII, disputado em fevereiro de 2023.| Foto: John G. Mabanglo/EFE/EPA

A NFL é a única liga de “esportes americanos” (hóquei no gelo é mais canadense que americano, mas vá lá) em que não tenho time preferido; limito-me a torcer pelo sucesso dos jogadores que proclamam abertamente sua fé católica e vivem de acordo com ela. Quando soube da militância pró-vida do center Matt Birk, campeão do Super Bowl pelo Baltimore Ravens, ele já tinha se aposentado; mas tive tempo de torcer por Philip Rivers (o melhor quarterback da história a nunca ter tido a chance de jogar um Super Bowl, e que parou poucos anos atrás), e sigo torcendo por dois kickers: Justin Tucker, também dos Ravens, e Harrison Butker, membro da atual dinastia supervencedora do Kansas City Chiefs.

Butker é hoje assunto nacional nos Estados Unidos graças a um discurso que fez na formatura de uma turma de ensino médio em um colégio católico, no último dia 11. Um discurso que deixou a esquerda, especialmente a esquerda identitária, surtando até agora. Não porque criticou a hipocrisia de políticos que se dizem católicos, mas brigam pela legalização do aborto; não porque mencionou de leve as normas de isolamento social durante a pandemia – que coincidiu com a entrada daqueles estudantes no ensino médio. Os não católicos provavelmente nem deram bola para o que ele disse sobre padres e bispos maus ou relapsos, nem para seu elogio à missa tridentina. O que o país inteiro está comentando são suas palavras sobre o papel das mulheres na sociedade. Vejam um trecho (a tradução é minha mesmo):

“Vocês [formandas] devem se orgulhar de tudo o que conseguiram até esse ponto de suas vidas. Quero falar-lhes diretamente porque acredito que são vocês, as mulheres, que têm ouvido as mentiras mais diabólicas. Quantas de vocês estão sentadas aqui, agora, passando por essa fase e pensando em todas as promoções e títulos que conquistarão em suas carreiras? Algumas de vocês terão carreiras muito bem-sucedidas, mas eu apostaria que a maioria de vocês está mais animada em relação ao casamento e às crianças que trarão a esse mundo. Posso assegurar a vocês que minha bela esposa, Isabelle, seria a primeira a dizer que a vida dela começou de verdade quando ela passou a viver sua vocação de esposa e mãe.”

Butker não quis impor nenhuma regra geral a ninguém, não disse que lugar de mulher é em casa, não disse que elas não podem ter uma carreira profissional

Na cerimônia, essas palavras levaram a quase 20 segundos de aplauso. Fora da escola, houve choro e ranger de dentes. Pedidos para que os Chiefs demitam Butker, artigos ácidos na imprensa nacional, enfim, o pacote padrão de insultos que já estamos acostumados a ver quando alguém diz algo assim. Até a conta oficial da prefeitura de Kansas City no X (ex-Twitter) entrou no rolo, “avisando” que Butker não vivia na cidade, e sim em um município vizinho – a publicação foi apagada e o prefeito pediu desculpas. É verdade também que Butker foi defendido inclusive por gente que discorda dele, com os mais variados argumentos, do direito à liberdade de expressão ao fato de ele ser um católico falando para católicos em um ambiente católico – foi o caso, por exemplo, da atriz e apresentadora Whoopi Goldberg. A jornalista da ESPN Samantha Ponder chegou a chamar de “antiamericana” a mobilização para Butker perder o emprego, dizendo que concorda com parte do que o kicker disse, mas que também discorda de outras afirmações.

À parte uma ou outra hipérbole (por exemplo, sobre quando a vida da esposa “começou de verdade”), convenhamos: o que Butker disse de tão escandaloso assim? Ele não quis impor nenhuma regra geral a ninguém, não disse que lugar de mulher é em casa, não disse que elas não podem ter uma carreira profissional – do contrário nem teria citado São Josemaría Escrivá, já que o cerne da mensagem do santo espanhol é a santificação pelo cumprimento dos deveres cotidianos, incluindo aí o trabalho. O que ele disse, isso sim, é que para a maioria das jovens que o estava ouvindo, a grande vocação, onde elas encontrarão a maior realização, é o casamento e a família – mas não disse que a vida familiar e a profissional são caminhos mutuamente excludentes. Não tirou nem quis tirar a liberdade de nenhuma das formandas ali presentes; não expôs nada diferente do que São João Paulo II escreveu, por exemplo, na Mulieris dignitatem. Se isso escandaliza, é porque estamos muito anestesiados pelo politicamente correto.

E não nos esqueçamos de que Butker disse praticamente a mesma coisa aos homens: que também para eles (ou a maioria deles, porque alguns terão vocação diferente) o casamento e a família vêm primeiro. Ainda falando da esposa, o atleta a elogia porque “é ela quem garante que eu nunca deixe o futebol ou os meus negócios me distraírem da função de marido e pai”, ou seja, há uma hierarquia muito clara aqui. E acrescenta que também os homens vêm tendo suas cabeças preenchidas com mentiras:

“Foi só nos últimos anos que eu passei a ter mais coragem para falar de forma mais assertiva e direta porque, como disse antes, eu me apoiei na minha vocação como marido e pai e como homem. Aos cavalheiros aqui hoje: parte do que adoece nossa sociedade é a mentira dita a vocês, de que os homens não são necessários em casa ou em nossas comunidades. Como homens, damos o tom da cultura, e quanto isso está ausente, a desordem, a disfunção e o caos tomam conta. A ausência do homem no lar tem um enorme papel na violência que vemos em nossa nação. Outros países não têm as mesmas taxas de ausência paterna como as que vemos nos Estados Unidos, e podemos fazer uma correlação com seus menores índices de violência.”

Butker disse aos homens praticamente o mesmo que dissera às mulheres: que também para eles (ou a maioria deles) o casamento e a família vêm primeiro

Essa parte, no entanto, está sendo convenientemente ignorada pela imprensa e pela militância identitária, porque desfaz toda a narrativa do “discurso machista”. Mas parece que, de alguma forma, a tentativa de colar no kicker a imagem de inimigo das mulheres não funcionou. A camisa número 7 de Butker se tornou, dias atrás, a mais vendida entre todas as do Kansas City Chiefs e a terceira mais vendida entre todos os times. Outros artigos oficiais que trazem o número e o nome do jogador também estão vendendo bastante, inclusive na versão feminina.

A julgar pelas próprias palavras de Butker no discurso, ele não deve estar dando a mínima para os críticos – e, profissionalmente, parece que ele não tem com o que se preocupar, já que ganhou respaldo da esposa e da filha mais velha do dono do time. Ao menos nesse aspecto, ele não deixa de ter sorte; outros atletas já tiveram suas carreiras esportivas arruinadas por declarações motivadas por sua fé religiosa. Afinal, é como Butker disse no fim do discurso: “vocês estão entrando em território de missão, num mundo pós-Deus”. No entanto, ele logo acrescentou: “mas vocês foram feitos para isso. Com Deus ao seu lado e uma busca constante pela virtude dentro de sua vocação, também vocês podem ser santos”.

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