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Marcio Antonio Campos

Marcio Antonio Campos

Vaticano, CNBB e Igreja Católica em geral. Coluna atualizada às terças-feiras

“Profunda decadência”

Fogo no parquinho jesuíta

O padre venezuelano Arturo Sosa, superior-geral da ordem jesuíta, em foto de 2019. (Foto: EFE/Salas)

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O reitor da Universidade Católica do Uruguai, padre Julio Fernández Techera, acaba de chacoalhar a ordem jesuíta, a que pertence, com um ensaio nada generoso sobre o estado atual da Companhia de Jesus. O texto, intitulado Ad usum nostrorum III (porque antes desse já houve outros dois), deveria ser apenas de circulação interna, mas vazou para o jornalista espanhol Francisco José Fernández de la Cigoña, que o publicou. É um comentário sobre outro texto, o informe De Statu Societatis de 2023, assinado pelo superior-geral da ordem, o venezuelano Arturo Sosa. A avaliação do reitor da UCU é a de que a Companhia de Jesus está em “profunda decadência”, e que a ordem hoje está mais para uma ONG de esquerda que para um grupo dedicado à maior glória de Deus.

Fernández afirma que a ordem está acometida de uma “síndrome de Rubem”, em referência a uma das tribos de Israel que, em meio a uma batalha, não se envolveu nela, perdendo-se em discussões. O reitor destaca, por exemplo, um trecho do relatório segundo o qual “a maior ameaça para a vida humana, a justiça social e um futuro pacífico é o desequilíbrio na relação com o meio ambiente resultante do desenvolvimento industrial, o crescimento demográfico e a urbanização”. Assim, sério? Sério mesmo que essas são as maiores ameaças da atualidade? O padre Fernández não economiza: isso “poderia ser perfeitamente o olhar sobre o mundo de um think tank leigo, vinculado a algum partido político de esquerda ou a uma ONG progressista” – ou de uma Análise de Conjuntura da CNBB, eu acrescentaria. Zero de sentido sobrenatural ou transcendente, diz ele, para logo emendar:

“Onde está a antropologia cristã nessa contemplação? Onde está a história da salvação, que continua a se realizar hoje? Como é que esse olhar, inspirado em ‘como a Trindade vê o mundo’, não inclui temas como a cultura da morte que está por trás de leis de aborto e eutanásia, a descristianização do Ocidente, a destruição da família inspirada no Evangelho, a perseguição de cristãos em tantos lugares, a ideologia de gênero e a cultura woke com suas imposições e perseguições, o relativismo moral, (...) a falta de sentido de milhões de jovens (...)?”

Este tema central se repete em outras partes do ensaio. “Há muitos sinais na vida corrente das obras jesuítas, dos documentos publicados e das orientações dadas, que dão a impressão de que estamos em uma ONG e não em uma ordem religiosa”, diz o padre Fernández, que volta a criticar o tom excessivamente político-ideológico de outras partes do relatório do superior-geral. O problema do mundo e das pessoas é sempre o capitalismo, a globalização, enfim, apenas categorias socioeconômicas. Claro que o resultado disso, uma ordem religiosa transformada em entidade política de esquerda, é uma enorme crise de identidade e a falta de “uma visão real de para onde vai e do que deseja conseguir”. E a crise de identidade não é a única que aflige a ordem; enquanto os jesuítas se perdem em discussões, as vocações diminuem – a ordem tem hoje 40% do número de membros que tinha em 1965, e a maioria dos atuais jesuítas está idosa – e escândalos como o do padre Marko Rupnik destroem a reputação da Companhia de Jesus.

É evidente que há muitos jesuítas bons – o padre Techera é prova disso, assim como tantos outros anônimos; escrevo também sobre ciência e fé, e tenho de destacar o ótimo trabalho que fazem nesse campo. Também é verdade que nem tudo que há de problemático hoje na Igreja pode ser atribuído aos jesuítas. Mas convenhamos, eles estão na linha de frente de muita coisa complicada, desde as bobagens esquerdistas publicadas por um IHU Unisinos da vida, passando pelas barbeiragens identitárias das escolas e universidades confessionais jesuítas nos Estados Unidos, até as opiniões bastante heterodoxas de um cardeal Hollerich, que é o relator-geral do (suspiro) Sínodo da Sinodalidade. Quando o “rosto” de uma ordem que já teve São Francisco Xavier é o padre James Martin, você percebe o tamanho da decadência. E, como diz o ditado, corruptio optimi pessima: a corrupção de algo ou alguém que era só mediano não faz muito estrago, mas, se algo que era muito bom (e qualquer um que conheça um pouco de história da Igreja sabe do bem extraordinário que a Companhia de Jesus representou) se corrompe, o potencial de dano é gigantesco.

A solução, diz o padre Fernández, é reconhecer a “decadência religiosa e apostólica” da ordem e trabalhar com sentido sobrenatural. “Sigo convencido de que temos um carisma maravilhoso e necessário para a Igreja, um carisma religioso, apostólico e sacerdotal. Temos de recuperá-lo e vivê-lo com paixão, ousadia e generosidade. Para conseguir isso, é preciso (...) deixar de ser politicamente corretos e de usar frases feitas e slogans”, afirma o reitor da UCU. Uma Companhia de Jesus que voltasse a ser fiel ao ideal de seu fundador seria uma maravilha muito necessária em tempos de nova evangelização.

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