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“Nós não queremos converter os jovens a Cristo, nem à Igreja Católica, nem nada disso, absolutamente.” Foi o que o bispo auxiliar de Lisboa, dom Américo Aguiar, disse no último dia 6 à emissora de televisão portuguesa RTP em uma entrevista sobre a Jornada Mundial da Juventude, que ocorre ao longo da próxima semana na capital portuguesa. O bispo, que é o presidente da Fundação JMJ – na prática, o responsável pela organização da Jornada –, ainda acrescentou: “Nós queremos é que seja normal que o jovem cristão católico diga e testemunhe que o é; que o jovem muçulmano, judeu ou de outra religião também não tenha problemas em dizer que o é e o testemunhar; aquele jovem que não confessa religião nenhuma se sinta à vontade e não se sinta estranho porventura porque é assim ou é de outra maneira, e que todos entendamos que a diferença é uma riqueza”.
Veja aqui a íntegra da entrevista; como não consegui incorporar esse vídeo aqui na coluna, segue também o trecho em questão, destacado por uma página católica (e que está no minuto 19:30 da íntegra):
Obviamente, é o tipo de declaração que causou justa indignação em muitos meios católicos; para se defender, dom Américo afirmou que a frase havia sido “tirada de contexto” – a explicação padrão em quase 100% desses casos, mas que sinceramente não cola muito diante do que ele mesmo reafirmou ao site ACI Digital, que procurou o bispo. “A JMJ nunca foi, não é, nem deverá ser um evento para proselitismos, antes pelo contrário, é e deve ser sempre, uma oportunidade para nos conhecermos e respeitarmos como irmãos (...) A Igreja não impõe, propõe. Que bom estarmos todos disponíveis para dar testemunho de Cristo Vivo e confiar na transformação que só Cristo Vivo consegue operar nas nossas vidas (...) “a conversão acontece pelo testemunho, não pela imposição”, afirmou dom Américo.
É o tipo de frase que mistura uma das maiores verdades sobre a evangelização – a de que a fé não pode, jamais, ser imposta – com uma série de equívocos, motivados talvez pelo uso mais pejorativo da palavra “proselitismo”. O termo, hoje, deixou de descrever simplesmente o esforço para levar Cristo e o Evangelho ao maior número possível de pessoas para descrever uma evangelização feita com coerção, agressão, insistência, arrogância ou sei lá mais o quê. É com esse último sentido, por exemplo, que o papa Francisco emprega a palavra. E, de fato, se formos entender “proselitismo” dessa forma, está certo o papa como está certo dom Américo ao dizer que a JMJ não é lugar para proselitismo. Mas vamos deixar de lado a semântica para fazer a pergunta que realmente importa: a Jornada Mundial da Juventude é uma ocasião para que os jovens católicos reforcem sua fé e a compartilhem com irmãos do mundo tudo, mas a JMJ pode/deve ser usada também para evangelizar os não católicos?
É triste ouvir que o bispo responsável pela JMJ de Lisboa queira simplesmente abrir mão de algo que foi uma ordem dada por Cristo aos apóstolos
Aqui, deixo ao leitor o sensacional texto de dom Antônio Carlos Rossi Keller, bispo de Frederico Westphalen (RS), que foi direto à fonte: os textos de São João Paulo II, o criador da Jornada Mundial da Juventude. Reparem nos itens 2 e 3, cujo alcance não se limita aos jovens católicos participantes. “São João Paulo II estava comprometido com a missão de levar a mensagem do Evangelho a todas as pessoas, especialmente aos jovens, que são considerados o futuro da Igreja. Ele acreditava que as Jornadas Mundiais da Juventude seriam uma poderosa ferramenta de evangelização, pois proporcionariam aos jovens a oportunidade de experimentar uma comunidade de fé global, testemunhar a unidade da Igreja Católica, vivenciar um encontro pessoal com Jesus e ouvir as palavras do papa, que é considerado o sucessor de Pedro”, escreve dom Keller, acrescentando que “O encontro com outros jovens católicos, a celebração da Eucaristia e a participação em momentos de oração e catequese durante as Jornadas Mundiais da Juventude ajudavam a fortalecer a identidade católica dos participantes, bem como oferecer um momento de evangelização para os eventuais jovens não católicos participantes” (destaques meus). Tudo isso, repetindo, está presente nos discursos e homilias do papa polonês, que esteve em nove edições da JMJ, desde Roma-1986 até Toronto-2002.
É triste ouvir que o bispo responsável pela JMJ de Lisboa – e que, aliás, acaba de ser nomeado cardeal – queira simplesmente abrir mão de algo que foi uma ordem dada por Cristo aos apóstolos (dos quais dom Américo é sucessor): “Ide, pois, fazer discípulos entre todas as nações” (Mt, 28,19), uma frase que Bento XVI escolheu, vejam a ironia, para lema da JMJ do Rio de Janeiro, em 2013. A Jornada é um momento para que os jovens católicos “recarreguem as baterias” para bem evangelizar depois? Certamente que sim, e não é à toa que a celebração final de toda JMJ se chame “missa de envio”. Mas também é a chance de os não católicos testemunharem a vibração de nossa Igreja e alimentarem a curiosidade de conhecer “a razão de nossa esperança”, como diz São Pedro em sua primeira carta. A estes, não se deve responder que não, que fiquem bem onde estão, na religião que escolheram; isso seria sonegar-lhes a maior riqueza que podemos lhes oferecer. Cumpramos a ordem que Cristo deu, sempre “com suavidade e respeito”, aconselha-nos ainda São Pedro na mesma passagem.
Por mais que governos petistas por aí queiram classificar a evangelização como “discurso de ódio”, pregar a verdade e desejar que as pessoas abracem a fé verdadeira nada tem de desrespeito – embora, é verdade, isso possa ser feito desrespeitando as pessoas cuja conversão esperamos. É a agressão às pessoas que temos de evitar; de resto, rezar e agir para que elas encontrem e amem a Cristo é nossa obrigação e não podemos abrir mão dela em nome de uma mentalidade que, disfarçada de tolerância, quer mesmo é abolir o princípio da não contradição, tornando todas as crenças igualmente verdadeiras – a esse respeito, recomendo muito uma série de três artigos do também colunista Guilherme de Carvalho, que vocês podem conferir abaixo (com uma recomendação bônus):
Rezemos, então, para que a JMJ ofereça, para os católicos que forem a Lisboa, a chance de uma vivência intensa da fé; e, para os não católicos, uma oportunidade ímpar de se aproximarem da fé católica, encontrando jovens prontos a evangelizar com alegria e respeito, sem se deixar dominar por respeitos humanos.
A coluna foi atualizada com o link para a íntegra da entrevista no site da RTP.
Atualizado em 26/07/2023 às 12:21