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Com 36 anos, eu já não era exatamente um jovem quando o Rio de Janeiro recebeu a Jornada Mundial da Juventude. Mas, como as regras permitiam, fiz minha inscrição oficial como peregrino ao lado de minha esposa. Àquela altura, o papa ainda era Bento XVI; já tinha tido a oportunidade de vê-lo em Aparecida, em 2007, e em Roma, durante a Semana Santa de 2010, mas tinha a enorme expectativa de encontrá-lo novamente. Com tudo acertado, passagens compradas, veio o choque da renúncia, em fevereiro de 2013; e, no mês seguinte, começou a era de Francisco. Já blindado contra as tentativas da imprensa secular de criar a dicotomia “Bento mau, Francisco bom” que marcou aquele início de pontificado, principalmente graças à diferença de estilo entre o extrovertido pastor sul-americano e o intelectual alemão, seguimos nossos preparativos. Afinal, íamos ver o papa, e era o que importava.
Ao menos para mim a Jornada tinha começado alguns dias antes, quando dei uma palestra sobre ciência e fé para um grupo de jovens poloneses que fez a pré-jornada na paróquia próxima de casa, em Curitiba. Por causa de nossos compromissos profissionais, só fomos ao Rio mesmo para o grande fim de semana da JMJ; os demais eventos desde a chegada de Francisco ao Brasil, acompanhamo-los pela televisão. Pousamos no Rio, fomos a Copacabana para a casa de uma amiga e de lá ao Sambódromo, buscar nossos kits. Encontramos os amigos de nosso grupo de estudos, que já estavam no Rio havia alguns dias. Havíamos feito até camiseta personalizada, no site do fornecedor oficial da JMJ. Com tudo à mão, finalmente fomos buscar nosso lugar na praia de Copacabana, para onde a vigília do sábado e a missa do domingo tinham sido transferidas graças ao temporal que caiu em Guaratiba, o local originalmente escolhido. Foi providencial por alguns motivos: o geral, porque haviam desenhado um presbitério horroroso para o Campus Fidei; o específico, porque Guaratiba era muito longe e, em Copacabana, tínhamos o apartamento de nossa amiga para emergências, especialmente no caso dos amigos que tinham filhos pequenos.
“Jesus não disse: se vocês quiserem, se tiverem tempo, vão; mas disse: ‘Ide e fazei discípulos entre todas as nações’. Partilhar a experiência da fé, testemunhar a fé, anunciar o Evangelho é o mandato que o Senhor confia a toda a Igreja, também a você.”
Papa Francisco, na homilia da Missa de Envio da JMJ do Rio de Janeiro, em 2013.
Instalamos as tendas razoavelmente perto do calçadão e nos posicionamos para esperar Francisco; era no Posto 3, se não me falha a memória. Chegou a noite, e com ela o papa. Mas ele havia se demorado demais no começo do trajeto, e passou mais apressadamente por onde estávamos; nós até gritamos “el niño cumple años”, já que o filho (à época único; hoje, o mais velho) de um dos casais de amigos de nosso grupo estava fazendo aniversário – o coro foi reforçado por todos os que estavam em volta, esperançosos de que Francisco parasse por ali para abençoar o menino, que ainda por cima leva o nome do fundador da ordem religiosa a que o papa pertence. Mas não funcionou, o papa já estava atrasado para o começo da vigília.
Eu, particularmente, fui mais tocado pela vigília que pela missa no dia seguinte. O papa nos provocou; partindo da parábola do semeador, foi perguntando: “sou uma jovem, um jovem aturdido? (...) Tenho coragem ou sou um covarde? (...) tenho o hábito de jogar em dois papéis: fazer bela figura com Deus e fazer bela figura com o diabo? (...) Eu rezo? Eu falo com Jesus ou tenho medo do silêncio?” Perguntava não para que nos acusássemos, mas para nos animar: “Eu sei que vocês querem ser terreno bom, cristãos de verdade; e não cristãos pela metade, nem cristãos ‘engomadinhos’ cujo cheiro os denuncia pois parecem cristãos, mas no fundo, no fundo não fazem nada; nem cristãos de fachada, cristãos que são ‘pura aparência’, mas sim cristãos autênticos. Sei que vocês não querem viver na ilusão de uma liberdade inconsistente que se deixa arrastar pelas modas e as conveniências do momento. Sei que vocês apostam em algo grande, em escolhas definitivas que deem pleno sentido”.
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Lembro de um momento, na adoração eucarística, em que nos ajoelhamos e o silêncio naquela praia com 3 milhões de pessoas foi completo a ponto de só se ouvir as ondas quebrando e os helicópteros sobrevoando a orla. Lembro do Matt Maher cantando Lord, I need you durante a adoração. Lembro de, no meio da madrugada de sábado para domingo, nada acostumado a dormir em colchão de ar sobre a areia, ter me levantado para ir rezar o terço caminhando perto do nosso “território”, vendo inúmeros outros jovens fazendo o mesmo enquanto, ali perto, franciscanos (de hábito) cantavam em uma roda de violão. O clima era extraordinário.
No sábado, tínhamos encontrado de forma completamente casual – e providencial, não estou abusando da palavra – outros amigos (smartphone ainda não era algo tão comum assim), incluindo uma professora que segue até hoje dando sua contribuição inestimável ao movimento pró-vida. Foi assim que, na manhã de domingo, antes da missa, minha esposa, eu e outros amigos ajudamos a distribuir parte das quase 200 mil réplicas em tamanho real de um feto de 12 semanas, uma das ações pró-vida planejadas para aquela JMJ. Depois da missa, como ainda tínhamos um tempo antes do voo de volta, ficamos pela praia para escapar da confusão da saída e alguns desses amigos nos puxaram para almoçar em um restaurante perto da orla, onde segundo eles teríamos a chance de encontrar alguns bispos ou cardeais. Encontramos um, o arcebispo de San Antonio (Texas), Gustavo García-Siller – posso estar sendo traído pela memória, mas acho que foi ele quem veio puxar papo com a nossa mesa. E depois um dos nossos reconheceu o Martín Valverde (não me lembro se ele estava com o arcebispo García ou se em outra mesa). Shame on me, eu não sabia quem era Martín Valverde; foi quando o amigo me disse que era o compositor de Nadie te ama como Yo, e então eu liguei o nome à pessoa. Simpaticíssimo, conosco e com todos os demais que o procuraram para uma foto ou uma palavrinha. Nosso voo para Curitiba partiu do Galeão um pouco antes de o avião papal decolar – e até hoje eu brinco que chamaram o Márcio Campos errado para ir a Roma com o pontífice e fazer uma perguntinha na tradicional entrevista coletiva durante o voo.
A programação da Jornada Mundial da Juventude de Lisboa começa nesta terça; o papa chega à capital portuguesa na quarta. O que eu desejo aos peregrinos que estão lá é que tenham uma experiência que lhes seja tão marcante quanto a de 2013 foi para mim. Que encontrem e ouçam o Santo Padre; que rezem; que adorem a Cristo eucarístico; que vejam como é vibrante a nossa fé; que encontrem velhos amigos e façam novos, aquela amizade como a descrita por C.S. Lewis em Os quatro amores, que consiste no encontro de pessoas que amam as mesmas coisas; e que saiam dali energizados.