Luce, a mascote do Jubileu, apresentada na semana passada pelo Vaticano.| Foto: Simone Legno/tokidoki/Vatican Media
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Na segunda-feira da semana passada, enquanto eu estava ocupado lendo o documento final do Sínodo e a Dilexit nos, o Vaticano lançou a mascote do Jubileu de 2025: uma peregrina chamada Luce (“luz” em italiano), em um estilo que remete à cultura pop japonesa – da qual o criador de Luce, Simone Legno, é grande admirador. Ela tem um terço pendurado no pescoço, uma capa de chuva amarela, botas sujas de lama pela caminhada, um cajado de peregrino e traz nos olhos as conchas que tradicionalmente simbolizam a peregrinação a Santiago de Compostela. E não vem sozinha: ela tem um cachorro, Santino, e uma turma de amigos. Luce fez sua estreia em uma convenção na cidade de Lecce, similar à Comic Con, e será uma das atrações principais no pavilhão do Vaticano na Expo 2025, em Osaka (Japão), embora seja bem difícil concorrer com O Sepultamento de Cristo, de Caravaggio, que os Museus Vaticanos emprestarão para a ocasião.

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E, como quase tudo deste pontificado, Luce deu o que falar, especialmente nos ambientes mais conservadores e tradicionalistas, e ainda mais especialmente entre os católicos que, infelizmente, já partiram para o preconceito aberto de achar que nada de bom há de vir do Vaticano enquanto Francisco ocupar o trono de Pedro. Dizem que é rendição à cultura pop, é frivolidade, é infantilização, é marketing pra vender brinquedo, é o rebaixamento de uma Igreja que tem coisas muito mais elevadas para oferecer ao mundo. Então, vamos colocar umas coisas em perspectiva.

Ninguém é obrigado a gostar de Luce, mas na maioria dos casos a pobre menina peregrina está apanhando sem razão, pagando o pato por outros motivos

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Primeiro: Luce é uma mascote, não é arte sacra. Você pode discutir se um evento da natureza do Jubileu deveria ou precisaria ter uma mascote, como por exemplo grandes competições esportivas têm mascotes. Pode discutir se um Vaticano em dificuldades financeiras deveria gastar tempo e dinheiro contratando alguém para desenhar uma mascote. Pode discutir se é conveniente ter entregue a missão de criar a mascote a um designer cujo trabalho inclui a produção de produtos de orgulho LGBT e até mesmo vibradores, como mostrou uma reportagem do site La Nuova Bussola Quotidiana (que viu uma referência a Greta Thunberg na capa de chuva amarela).

Essas discussões, sim, eu acho bastante válidas, mas não sei se dentro da organização do Jubileu ou do Dicastério para a Evangelização esse debate chegou a ser travado, ou se alguém simplesmente resolveu que seria uma boa ideia lançar uma mascote e todos concordaram na hora. Não sei quanto custou tudo isso (e o Vaticano bem que poderia divulgar se houve custos envolvidos). Não sei se os responsáveis pela escolha de Legno e sua Tokidoki sabiam do portfólio da empresa e, se sabiam, qual foi o argumento para dar-lhe o prestígio associado a um trabalho para o Vaticano. De tudo que li sobre a apresentação de Luce, parece que nenhum dos jornalistas presentes à apresentação dos eventos culturais do Jubileu levantou essas questões.

O fato é que resolveram ter mascote, e Luce é apenas uma parte do “pacote” do Jubileu. Ela não exclui absolutamente nenhuma outra forma mais tradicional, mais piedosa, mais o que for, de chamar a atenção para o Jubileu ou de estimular a fé dos peregrinos que forem a Roma ou participarem dos eventos nas dioceses. Só teremos um problema se não tivermos esses outros elementos no Jubileu e o Vaticano apostar todas as suas fichas na mascote.

Segundo: uma vez que decidiram ter mascote, Luce é uma boa mascote. Ela é simpática, tem um punhado de simbolismos que remetem à ideia de peregrinação, deve ter apelo com as crianças e jovens. Tenho paixão por Jogos Olímpicos e outros megaeventos esportivos, que acompanho desde criança (muito mais que futebol); já cheguei a trabalhar como voluntário em alguns deles. Se formos considerar as mascotes de Jogos Olímpicos, Jogos Pan-Americanos e Copas do Mundo, Luce está, na muito pior das hipóteses, ligeiramente acima da média. Lembrem do desastre que foi o Izzy, de Atlanta-96; das irrelevâncias de Londres-2012; ou daquele bonequinho estranho da Copa da Itália, em 1990 (ao menos nesse quesito o Brasil mandou bem: Fuleco é um nome horroroso, mas a mascote era genial; e Tom e Vinícius eram muito bons). Luce pode não ser um Misha (a melhor mascote de todos os tempos), mas está bem acima de parte considerável do que já vimos em megaeventos esportivos – raios, a mascote de Paris-2024 era um chapéu! E ela é muito, mas muito melhor que a horrorosa identidade visual do Sínodo da Sinodalidade, e a logomarca estranha do próprio Jubileu.

No Substack, Kevin Tierney, um dos que não gostaram de Luce, afirma que ela não passa de merchandising e previu que ela não vai vender e logo cairá no esquecimento. Sobre ser merchandising, isso é realmente tão ruim? Um evento como o Jubileu não sai de graça, precisa se pagar. Quanto à previsão, eu não me apressaria tanto. Estive nos Jogos Olímpicos de Inverno de Turim, em 2006. As mascotes Neve e Gliz nem eram grande coisa, mas caíram no gosto das crianças italianas; no fim dos Jogos era difícil achar produtos delas nas lojas oficiais. E, se Luce realmente acabar esquecida no futuro, talvez não o seja por culpa própria, mas pelo fato de uma mascote não ser “parte” da identidade do Jubileu da mesma forma como uma mascote é “parte” da identidade de um megaevento esportivo.

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Tenho como garantir que Luce será um sucesso? Certamente não. Ninguém é obrigado a gostar de Luce, mas na maioria dos casos a pobre menina peregrina está apanhando sem razão, pagando o pato por outros fatores – os outros trabalhos de Legno, o fato de simplesmente ser um produto deste pontificado específico, até uma compreensão equivocada do que é uma mascote, o que for. Se ela for apenas um toque (de bom gosto, ao menos para mim) de cultura contemporânea em um evento focado em aproximar as pessoas de Cristo e da Igreja que Ele fundou, não vejo por que rejeitá-la.

Arcebispo de Cascavel dá bronca em crismandos por comunhão na boca

Neste domingo, o arcebispo de Cascavel (PR), dom José Mário Angonese, crismou um grupo de jovens na matriz de Nossa Senhora Consolata, em Cafelândia, e ao fim da missa passou um pito de quase cinco minutos não só nos crismandos, mas também nos catequistas e até nos ministros extraordinários da comunhão. O motivo: vários crismandos pediram para receber o Senhor Eucarístico na boca. Estão circulando muitos cortes bem resumidos, pegando apenas uma frase ou outra do arcebispo. Não caiam nessa e procurem a versão completa da fala dele, que, como eu disse, tem uns cinco minutos. Melhor mesmo seria poder ver a missa na íntegra, mas infelizmente o canal da paróquia tirou o vídeo de seu canal no YouTube (eu o havia visto na manhã de segunda-feira, mas na manhã de hoje não estava mais disponível). A coluna procurou tanto a paróquia Nossa Senhora Consolata quanto a Arquidiocese de Cascavel, mas nem uma nem outra comentaram sobre a remoção do vídeo, e de quem teria partido a decisão de tirá-lo do ar.

Sobre a comunhão na boca, dom José Mário diz que isso “não faz sentido”, que é um anacronismo, que é uma bondade que a Igreja fez aos “velhinhos que por uma vida inteira comungaram na boca”, que receber comida na boca é coisa de criancinha, que desde o Concílio Vaticano II a coisa é diferente... como disse um amigo, o Vaticano II virou um “Super Trunfo” que todo mundo usa para justificar as próprias preferências, ainda que não estejam nos documentos. Afinal, o número 55 da Sacrosanctum Concilium não diz absolutamente nada sobre desencorajar a comunhão na boca – aliás, essa história de que manter a liberdade de comungar na boca seria apenas uma concessão aos mais idosos não se encontra em lugar nenhum do Magistério. Nenhum documento do Vaticano II, da Congregação (depois Dicastério) para o Culto Divino, nenhum discurso pontifício dá margem para esse tipo de exegese freestyle de dom José Mário.

Pelo contrário: se for para falar em concessão, a concessão é a comunhão na mão! A Instrução Geral do Missal Romano deixa isso quase que escancarado no artigo 161, quando diz que o fiel recebe “o sacramento na boca ou, onde for permitido, nas mãos, como preferir” (destaque meu). Ou seja: a norma geral (para qualquer idade) é comungar na boca, e o Vaticano pode permitir a comunhão na mão à medida que essa dispensa for solicitada, por exemplo, por conferências episcopais. Esse trecho da IGMR foi citado pelo papa Francisco em uma de suas catequeses sobre a Santa Missa. E o papa Francisco não é um papa “do milênio passado”, certo? A CNBB, no seu Guia Litúrgico-Pastoral, é ainda mais enfática: “jamais se obrigará algum fiel a adotar a prática da comunhão na mão. Deixar-se-á a liberdade de receber a comunhão na mão ou na boca, em pé ou de joelhos”.

O arcebispo diz que a Igreja dá liberdade para o fiel escolher, mas que ele “ficaria muito decepcionado se tem catequista fazendo catequese de comunhão na boca”, chegando a falar em “catequese torta”. Mas o que seria a tal “catequese de comunhão na boca”? Afinal, a comunhão na boca é a norma litúrgica corrente, está nos documentos, nas palavras do papa, sem nenhum tipo de avaliação negativa. Se o catequista está simplesmente afirmando que essa opção existe e que o crismando é livre para escolher, ótimo: ele diz o que a Igreja diz e jamais deveria ser censurado por isso. Se o catequista até diz que ele acha a comunhão na boca mais reverente, mas ressaltando que isso é a opinião dele e o crismando pode comungar como quiser, vá lá. O problema seria catequista dizendo que quem recebe a Eucaristia na boca é mais digno, mais santo, mais devoto, mais reverente etc. que quem comunga na mão; isso, sim, seria muito ruim.

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No fim, é realmente “uma questão de visão de Igreja, visão de mundo”, como disse o arcebispo, talvez sem perceber que a frase também pode se aplicar a ele. Porque, ainda que dom José Mário estivesse querendo corrigir algum eventual excesso de catequistas, o que ele acabou fazendo foi desmerecer a própria comunhão na boca, tratada como um anacronismo medieval, e aqueles que preferem comungar assim, comparados a bebês. Ao menos dom José Mário disse que, se alguém vem a ele querendo comungar na boca, “não nego, mas fico decepcionado”. Já é uma evolução em relação a dom Joaquim Mol...

O clero da Arquidiocese de Cascavel emitiu uma nota de apoio ao arcebispo (e que, ao menos por enquanto, será a única manifestação da arquidiocese, segundo a assessoria de comunicação). O texto afirma que “em momento algum houve desacato ou impiedade para com o Santíssimo Sacramento do Altar”. E de fato não houve mesmo, ainda que um ou outro corte mal-intencionado tenha deixado essa impressão. Mas a questão nem é essa. O problema que vejo é a tentativa do arcebispo de impor (mesmo sutilmente) uma forma de comungar, condenando outra forma que a Igreja não proíbe, nem considera inferior, nem mesmo trata como concessão (a concessão, como já vimos, é a comunhão na mão). Dom José Mário não estava “explicando a doutrina cristã”; estava privilegiando a própria opinião, usando da autoridade de arcebispo, sobre algo a respeito do qual o fiel tem plena liberdade de escolher.

As duas formas de comungar são igualmente lícitas, ninguém é mais ou menos santo por escolher uma ou outra forma

A nota afirma também que o pronunciamento de dom José Mário “foi retirado de contexto”, um argumento que só vale para os cortes pequenos que viralizaram, mas não para eventuais vídeos com a fala inteira. Aliás, é uma pena terem retirado o vídeo com a íntegra da missa, que permitiria a qualquer um assistir à cerimônia toda, o momento da comunhão dos crismandos, e a manifestação do arcebispo. Agora, se por “contexto” estamos falando de outra coisa, se de fato há algum problema real na catequese daquela paróquia quanto ao modo de receber a comunhão, isso é algo que o arcebispo deveria resolver em particular com os catequistas e não publicamente, em um vídeo que todos sabem que viralizaria mais cedo ou mais tarde e seria assistido por muita gente que não faz a menor ideia de como é a catequese em Cafelândia.

Da minha parte, espero que os catequistas e os agora crismados respeitem e façam respeitar sua liberdade. As duas formas de comungar são igualmente lícitas, ninguém é mais ou menos santo por escolher uma ou outra forma. Ensinar que a Igreja permite a comunhão na boca e querer comungar na boca não têm absolutamente nada de errado, de “torto”, de anacrônico, de medieval, de infantil, de absurdo, de condenável. Só erra quem quer impor aos outros uma escolha que a Igreja não impõe, e quem diminui os demais por não comungar de forma diferente da sua – seja jovem, catequista ou bispo.

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]