Ouça este conteúdo
O ministro do STF Luís Roberto Barroso, presidente da corte, foi a estrela do início do ano acadêmico na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). E ele não perdeu a oportunidade: palestrando em um ambiente que deveria ser um bastião da defesa da vida, Barroso defendeu a morte, fazendo propaganda da descriminalização do aborto e pedindo uma “campanha de conscientização”, já que aparentemente uma sociedade que se importa com a vida do nascituro e consagra essa proteção no seu ordenamento legal não é “consciente”.
O ministro usou os sofismas de hábito para minimizar as reais dimensões do aborto, limitando-se a dizer que “não é uma coisa boa e deve ser evitado”. Essa é uma descrição adequada para, sei lá, certos tipos de comida, dirigir sem dar seta, erros grossos de arbitragem no futebol... isso, sim, não são coisas boas e devem ser evitadas. Aborto é muito pior que isso, é assassinato de um ser humano indefeso e inocente. Mas Barroso quer que uma barbaridade dessas não seja crime no Brasil. “Ser contra o aborto e tentar evitá-lo não significa que se queira prender a mulher que passe por esse infortúnio – porque é isso que a criminalização faz”. Substitua “aborto” por qualquer outro crime hediondo e você vai perceber o ridículo desse raciocínio. “A sociedade não entende do que se trata”, disse o ministro. Errado: a sociedade entende muito bem do que se trata; entende muito mais que Barroso e seus colegas ou ex-colegas de Supremo como Rosa Weber, Edson Fachin ou Cármen Lúcia.
Sendo Barroso quem é, defendendo o que defende, e com um tema de palestra aberto assim, será mesmo que ninguém imaginou que algo assim poderia acontecer?
Ouvir esses absurdos em qualquer ambiente já embrulha o estômago; ouvir esses absurdos numa universidade católica é de doer o coração. E ouvir esses absurdos sendo aplaudidos numa universidade católica, como foram, bom, é coisa pra colocar na entrada do câmpus um lasciate ogni speranza, voi ch’entrate...
O tema da aula magna, a rigor, era “Revolução tecnológica, recessão democrática e mudança climática: o mundo em que estamos vivendo”. Juntar esses três itens nominalmente citados já bastaria para termos um (CENSURADO PELO CONTROLE DA LINGUAGEM DO TSE), mas a referência ao “mundo em que estamos vivendo” deixaria a brecha para Barroso falar do que bem entendesse, no fim das contas. E foi o que aconteceu, já que toda a defesa da descriminalização do aborto foi feita antes mesmo que ele entrasse nos três assuntos do título da palestra! Como se não bastasse, ainda fomos brindados com o mantra laicista segundo o qual “religião é uma coisa muito importante na vida, mas é um espaço da vida privada”. Está tudo lá, nos minutos 27 (defesa da descriminalização do aborto) e 1h12 (religião só no âmbito privado):
Se jabuti já não sobe em árvore, imaginem essa tartaruga-de-couro. Alguém teve a ideia de convidar Barroso, outras pessoas acharam que seria mesmo uma boa ideia, e deu no que deu. Sendo Barroso quem é, defendendo o que defende, e com um tema de palestra aberto assim, será mesmo que ninguém imaginou que algo assim poderia acontecer? Os organizadores sabiam que ele mencionaria o tema do aborto? Não sabemos, e a PUC-Rio também não me respondeu, mesmo depois de contatos por e-mail e por telefone, limitando-se a dizer que o convite a Barroso foi feito no fim do ano passado e que a universidade soltou uma nota; nela, a assessoria de comunicação menciona a “liberdade de expressão” do ministro e “reafirma a sua [da PUC-Rio] fidelidade ao Magistério da Igreja”, citando um discurso de 2015 do papa Francisco afirmando que “uma sociedade justa reconhece como primário o direito à vida desde a concepção até o seu fim natural”. Ah, a PUC-Rio também colocou no ar o vídeo da aula magna cortando a primeira meia hora da fala do ministro (e é por isso que tive de colocar um vídeo de outra fonte mais acima), mas de que adianta esconder agora? O estrago já está feito, e muito bem feito.
Muita universidade e escola católica acha que basta ter uma capela, espalhar umas imagens pelo câmpus, ter umas aulinhas de Religião ou Teologia, e celebrar algumas festas litúrgicas – isso quando não escondem tudo para “não ofender os alunos de outras religiões”, como se quem buscasse uma instituição confessional católica não soubesse exatamente onde estava se matriculando ou matriculando os filhos. Mas não é assim, claro. Uma escola ou universidade verdadeiramente católica deixa que o catolicismo informe (no sentido de “dar forma”) todos os aspectos da vida estudantil, com respeito às opiniões divergentes e às pessoas de outras religiões, mas sempre defendendo com firmeza e racionalidade a nossa fé. Em setembro de 2017, participei de um congresso na Universidade Católica do Chile, em Santiago, e todas as bandeiras do edifício estavam a meio mastro, como resposta do reitor à aprovação de uma lei de aborto no país. Já aqui, tem universidade católica deixando ministro do Supremo fazer pregação abortista em aula magna e ser aplaudido por isso.
VEJA TAMBÉM: