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O presidente Lula no Círio de Nazaré, em 12 de outubro de 2024.
Lula segura a imagem de Nossa Senhora de Nazaré antes de colocá-la no nicho de vidro para a procissão fluvial do Círio de Nazaré.| Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República

“Cabe ao arcebispo de Belém a condução da Imagem Peregrina em todas as etapas de embarque e desembarque do Garnier Sampaio.” São palavras de dom Alberto Taveira Corrêa, arcebispo de Belém (PA), em nota datada de 7 de outubro de 2022 a respeito da participação do presidente da República na romaria fluvial do dia 8, um dos eventos mais icônicos do Círio de Nazaré – Garnier Sampaio é o nome da corveta da Marinha que leva a Imagem Peregrina de Nossa Senhora de Nazaré. O tom da nota é bem seco, uma espécie de “não temos absolutamente nada a ver com isso”, em relação à presença do chefe do Executivo federal na embarcação.

Corta para 2024, e lá está o presidente da República participando do Círio de Nazaré, colocando a Imagem Peregrina na redoma de vidro que a protege durante no trajeto de quase 20 quilômetros pela Baía do Guajará. A Agência Brasil, órgão oficial do governo federal, diz que o presidente “deu início ao cortejo e realizou o ato litúrgico de colocar a imagem peregrina de Nossa Senhora de Nazaré em nicho de vidro no navio Garnier Sampaio, da Marinha” – ou seja, fez aquilo que em 2022 o arcebispo havia dito expressamente que cabia única e exclusivamente a ele. Mas, desta vez, sem notinha, nem mesmo um esclarecimento no site ou nas mídias sociais da arquidiocese.

Quando o tratamento dado a um líder político é ditado mais pelas simpatias pessoais que pela correspondência desse líder aos valores do Evangelho, a credibilidade e o respeito do bispo ficam em xeque

Qual a diferença? A resposta é muito simples: em um dos episódios, temos um presidente abortista, que afirma que “quando quero conversar com Deus, não preciso de padre ou de pastores”, que defendia até pouco tempo atrás ditador que promove uma perseguição feroz contra a Igreja Católica (hoje estão meio brigados, aparentemente): Luiz Inácio Lula da Silva. No outro, temos Jair Bolsonaro. Ainda que eu não tivesse colocado data nenhuma, nem a foto que abre esta coluna, o leitor saberia muito bem de qual presidente o arcebispo queria máxima distância (e Deus o livre de colocar a mão na santa!), e qual presidente ganhou passe livre para tomar o lugar do arcebispo no ato litúrgico – e não foi só ele, já que a imagem antes passou pelas mãos da primeira-dama também.

Se os pastores querem levar a sério o “não desejamos e nem permitimos qualquer utilização de caráter político ou partidário das atividades do Círio”, como dizia a nota de 2022, podiam começar aplicando o mesmo critério a todos os casos em que um presidente da República quiser participar do evento, em vez de praticamente dizer a um deles que não é bem-vindo, enquanto o outro recebe liberação para violar o protocolo. Para piorar a situação, dom Alberto Taveira foi um dos 152 bispos e arcebispos que, em 2020, assinaram uma carta com várias críticas a Bolsonaro; o ex-presidente está longe de ser perfeito, obviamente, mas quando o tratamento dado a um líder político é ditado mais pelas simpatias pessoais que pela correspondência desse líder aos valores do Evangelho, são a credibilidade e o respeito do bispo que ficam em xeque.

A coluna entrou em contato com a Arquidiocese de Belém na manhã de segunda-feira para entender melhor o que aconteceu nesta participação de Lula no Círio de Nazaré: se as regras mudam de acordo com o presidente de plantão; se não mudaram, mas o arcebispo fez vista grossa porque, afinal, é o Lula, nosso “homem sem pecado”; ou se tudo aquilo aconteceu à revelia da vontade do arcebispo, sabe Deus como. Até agora, nada de resposta, mas o espaço continua aberto.

A diferença que a sineta faz

Duas semanas atrás, comentei o estudo que encontrou correlação entre maior fé eucarística e certas práticas litúrgicas e devocionais. Contei também a história de um bom padre amigo que herdou duas paróquias onde não havia incentivo para que as pessoas se ajoelhassem. Este domingo, dia 13, voltamos à paróquia onde ele está hoje, aquela com as cadeiras de plástico tipo poltrona. O uso da sineta na consagração já faz uma diferença; muita gente ainda fica em pé por não haver genuflexórios, mas muitos fiéis se ajoelharam, sim. E, pelos avisos, deu para perceber que há adoração eucarística com frequência. Parece que a reforma feita pelo pároco anterior deixou dívidas; espero que, quando elas forem quitadas, sobre dinheiro para comprar bancos de igreja decentes.

Aliás, uma outra sugestão para padres que queiram estimular a fé eucarística dos fiéis (não tem relação alguma com o padre do parágrafo anterior, é só algo que me veio à cabeça depois): não digam as palavras da consagração de qualquer jeito. Lembro-me de um sacerdote na cidade onde cresci, que narrava a consagração como um locutor de futebol no rádio. A entonação, as pausas, tudo serve para indicar aos fiéis que algo diferente, especial, está acontecendo naquele momento. O padre que trata as palavras da consagração com ligeireza corre o risco de perder a noção da grandeza daquilo que está fazendo, e fazer com que todos os fiéis a percam também.

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