As midterms, eleições norte-americanas de meio de mandato, não terminaram bem para os republicanos, o partido mais associado à causa pró-vida nos Estados Unidos. Eles devem tomar a maioria na Câmara de Representantes, mas por uma margem mínima em comparação com as dezenas de novas cadeiras que as previsões lhes davam. No Senado, foi pior ainda: se antes havia um empate de 50 a 50, nem isso os republicanos terão mais, se perderem um segundo turno que ainda será realizado na Geórgia.
E não foi só isso. Vários estados aproveitam as eleições para realizar plebiscitos ou referendos sobre todo tipo de assunto, e alguns deles consultaram a população sobre o aborto, já que a Suprema Corte, ao finalmente derrubar Roe v. Wade em junho, decidiu que cabia aos estados legislar sobre o assunto. Os eleitores de Califórnia, Michigan e Vermont decidiram colocar o direito ao aborto nas constituições estaduais, e os de Kentucky derrubaram uma proposta que protegeria a vida desde a concepção, também na constituição do estado. Vermont e Califórnia são “estados azuis”, onde o Partido Democrata, cada vez mais abortista, reina absoluto. Michigan está mais para um swing state: à exceção de Donald Trump em 2016, os democratas têm vencido lá desde 1992, mas sempre por margens muito pequenas (o ponto fora da curva foram as duas eleições de Barack Obama). Mas o Kentucky? Esse é um “estado vermelho”, apesar de curiosamente costumar eleger governadores democratas.
E aí leio no Crux que os bispos desses estados estão decepcionados. A Conferência Católica da Califórnia, que é a voz oficial da Igreja nesse estado, publicou uma nota e uma mensagem lamentando o resultado, ressaltando que a quantidade de californianos pró-vida está em alta e dizendo que a Proposição 1 acabará questionada judicialmente, e a Conferência vai trabalhar para ajudar a derrubá-la.
Se o bispo normaliza o abortismo do político e não lhe nega a eucaristia, vai esperar que o católico comum pense o quê do assunto?
Os textos dos californianos são bem interessantes pelo que dizem e pelo que não dizem. Eles mencionam todo o trabalho que as entidades pró-vida do estado fazem com mães em dificuldade, ajudando-as materialmente, psicologicamente e espiritualmente. Isso é essencial. Ser pró-vida não é simplesmente ser “contra o aborto e a mãe que se vire”, e no Brasil estão aí o Amparo Maternal, a Casa Pró-Vida Mãe Imaculada e inúmeras outras entidades que precisam ser mais conhecidas e apoiadas. Mas existe um outro aspecto da batalha contra o aborto, um em que parte importante do episcopado norte-americano vem falhando miseravelmente. Falo dos bispos que passam pano para político católico abortista, que por algum motivo que escapa à razão acham que tais políticos podem seguir comungando normalmente a despeito de sua militância pelo “direito” ao assassinato de bebês indefesos e inocentes.
Vejam o caso do próprio Joe Biden. Depois que a Suprema Corte derrubou Roe, ele transformou o aborto na principal ferramenta de campanha. Ele pediu aos americanos que votassem em abortistas para a Câmara e o Senado justamente por serem abortistas. Só isso já seria motivo para o cardeal Wilton Gregory, arcebispo de Washington, chamar o presidente para uma conversinha sincera, mas pelo jeito isso não aconteceu. Biden foi além e, em outubro, prometeu que a primeira coisa que faria se os democratas mantivessem as duas maiorias no Congresso seria enviar um projeto de lei legalizando o aborto no país inteiro. E, dois dias depois das midterms, quando ficou claro que os democratas não sofreriam a lavada esperada, Biden comemorou o poder do voto abortista. “As mulheres americanas se fizeram ouvir, cara. Eu disse que uma das coisas mais extraordinárias sobre Dobbs [a decisão que derrubou Roe] é que ela desafiaria as mulheres americanas quando os ministros disseram, tipo, ‘agora a decisão é com elas’, como se estivessem dizendo ‘vamos ver o que elas farão agora’. E então? Vocês foram lá e lhes deram [aos republicanos] uma boa surra”, disse o presidente.
Apesar de tudo isso, ainda tem bispo e cardeal norte-americano que não vê problema em dar a comunhão para alguém que age e fala dessa forma. E, se o bispo normaliza o abortismo do político, vai esperar que o católico comum pense o quê do assunto? Eu não sei o que o bispo de Burlington (Vermont) e os quatro bispos do Kentucky, citados pelo Crux, defendem a respeito de dar a comunhão a abortistas, mas basta olhar o caso da Califórnia. O estado tem pelo menos dois grandes batalhadores pela vida – José Gomez e Salvatore Cordileone, arcebispos de Los Angeles e São Francisco respectivamente –, mas também tem um Robert McElroy, bispo de San Diego, que condena quem afirma que um político abortista não deveria receber a eucaristia porque isso seria “fazer da eucaristia uma arma política” (já expliquei tempos atrás por que esse argumento não funciona). Então, se um bispo não toma uma atitude firme contra quem defende publicamente o direito ao aborto, trabalha por ele e tem poder para mudar a lei, não pode lamentar quando os eleitores de Califórnia, Michigan, Vermont e Kentucky (entre os quais muitos fiéis católicos) votam como votaram.
E tudo o que eu espero agora é não ter de vir aqui daqui a um tempo e escrever um texto igual, mas aplicado à realidade brasileira...
O que Bolsonaro e a direita podem aprender com a vitória de Trump nos EUA
Perda de contato com a classe trabalhadora arruína democratas e acende alerta para petistas
O aumento dos juros e a chiadeira da esquerda; ouça o podcast
BC dá “puxão de orelha” no governo Lula e cobra compromisso com ajuste fiscal
Inteligência americana pode ter colaborado com governo brasileiro em casos de censura no Brasil
Lula encontra brecha na catástrofe gaúcha e mira nas eleições de 2026
Barroso adota “política do pensamento” e reclama de liberdade de expressão na internet
Paulo Pimenta: O Salvador Apolítico das Enchentes no RS