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Sessão de 5 de outubro do Sínodo, na Sala Paulo VI, no Vaticano: discussões em pequenos grupos são o primeiro estágio da assembleia.
Sessão de 5 de outubro do Sínodo, na Sala Paulo VI, no Vaticano: discussões em pequenos grupos são o primeiro estágio da assembleia.| Foto: Angelo Carconi/EFE/EPA

Algo me diz que Diane Montagna não deverá estar entre os jornalistas convidados para o avião papal num futuro próximo. Ela foi a responsável pelo momento mais surreal da entrevista coletiva concedida pelo prefeito do Dicastério para as Comunicações, Paolo Ruffini, na sexta-feira passada:

Diane Montagna: Uma pergunta fundamental sobre o Sínodo. As autoridades do Sínodo, incluindo você, têm repetidamente falado no Espírito Santo como o ‘protagonista’ do Sínodo; a toda hora estamos ouvindo alguém falar do Espírito Santo. Tradicionalmente – e não apenas tradicionalmente –, a Igreja Católica identifica a presença do Espírito Santo ao determinar se algo está de acordo com a Revelação Divina, o consenso unânime dos Padres da Igreja e a Tradição Apostólica. Como esta assembleia [o Sínodo] está discernindo se algo vem do Espírito Santo ou de algum outro espírito?
Paolo Ruffini: Posso responder citando o Credo, que você conhece: ‘Creio no Espírito Santo’. De resto, é o Povo de Deus em uma jornada de se encontrar para rezar e dialogar juntos. Ao longo da história, há momentos em que o Povo de Deus se reúne, reza, Deus está com eles e o Espírito Santo age.
Diane Montagna: Mas como sabemos que é o Espírito Santo?
Christiane Murray (vice-diretora da Sala de Imprensa da Santa Sé): Obrigado, obrigado ao dr. Ruffini. Mais alguma pergunta? Não? Então... amanhã nos vemos aqui de novo.”

Convenhamos, é uma pergunta fundamental: como saber se alguma ideia que surge durante o Sínodo foi realmente inspirada pelo Espírito Santo e não por algum outro espírito, como o “espírito do tempo” (o famoso Zeitgeist) ou, pior, um espírito de porco mesmo? Aparentemente nem o pessoal do Vaticano sabe. Pelo jeito, temos a chance de ver surgir um “espírito do Sínodo” que, se for minimamente parecido com o que andam invocando na Alemanha ou na Bélgica, cai melhor em uma festa de Dia das Bruxas que em uma assembleia vaticana.

As fichas de trabalho do Instrumentum Laboris deste Sínodo estão cheias do tipo de propostas que o papa atribui a uma pressão externa. Antes fossem apenas “coisas que se dizem lá fora”

Mas também, pobre do Ruffini, que foi jogado numa situação bem complicada: ter de ficar informando os jornalistas a respeito de um evento cujos membros foram aconselhados pelo papa a fazer um “jejum da palavra pública”. No discurso de abertura do Sínodo, quarta-feira passada, Francisco justificou esse pedido citando exemplos de pressão da opinião pública em Sínodos anteriores:

“Quando houve o Sínodo sobre a família, havia a opinião pública, formada pela nossa mundanidade, de que se tratava de dar a comunhão aos divorciados: e assim entramos no Sínodo. Quando foi o Sínodo da Amazônia, havia a opinião pública, fazendo pressão para que se fizessem os viri probati: entramos com esta pressão. Agora há algumas hipóteses sobre este Sínodo: ‘Que farão?’ ‘Talvez o sacerdócio para as mulheres...’ E não sei que mais; as coisas que se dizem lá fora.”

Que existe pressão externa para que a Igreja aprove isso e aquilo, é evidente que existe. O mundo não suporta uma Igreja que proclame a verdade sobre o ser humano e sobre a família. Mas não são apenas “coisas que se dizem lá fora”. Se hoje há divorciados em nova união civil recebendo a comunhão mesmo vivendo maritalmente, é porque temos uma nota de rodapé bem complicada em Amoris laetitia cuja interpretação mais heterodoxa jamais foi rechaçada pelo Vaticano. No Sínodo da Amazônia, a ordenação de homens casados estava no documento final (está no item 111; o 103 ainda fala da ordenação de mulheres ao diaconato), embora tenha sido recusada pelo papa na exortação Querida Amazônia. E as fichas de trabalho do Instrumentum Laboris deste Sínodo estão cheias desse tipo de propostas que o papa atribui a uma pressão externa. Antes fossem apenas “coisas que se dizem lá fora”...

Mas voltemos à questão do sigilo. Fato é que o Regulamento do Sínodo diz mesmo que “cada participante é obrigado à confidencialidade e à discrição sobre suas próprias intervenções e sobre as intervenções dos outros participantes”. Mais que isso, só se houvesse segredo pontifício, daquele que pune os vazamentos com excomunhão, assim como acontece nos conclaves. Admito que há bons motivos em favor de uma blindagem, mas neste caso específico o tiro saiu pela culatra – primeiro, porque reforça a impressão de uma assembleia com cartas marcadas, em que o resultado já está posto; segundo, porque, como diz John Allen no Crux, se os participantes do Sínodo não podem falar, todos os outros podem, e os críticos ganham o poder de direcionar o debate público, como fez o cardeal Joseph Zen, de Hong Kong, com uma carta divulgada em setembro. Aliás, mesmo participantes mais ortodoxos do Sínodo estão falando, como foi o caso de uma entrevista do cardeal Gerhard Müller ao canal EWTN, concedida no último dia 5.

E aí o Vaticano teve de recuar. Na mesma coletiva em que se deu aquela conversa surreal com Diane Montagna, o prefeito Ruffini avisou que nenhum participante do Sínodo seria punido se falasse com a imprensa, e que era tudo questão de “discernimento pessoal”. No fim de semana, a coletiva contou até mesmo com o cardeal Fridolin Besungu, da República Democrática do Congo, e com a freira Leticia Salazar, chanceler da diocese de San Bernadino, na Califórnia. Não que eles tenham falado muito: pelo relato de Allen, ambos deram apenas informações genéricas sobre temas discutidos nos grupos em que o Sínodo está dividido nesta primeira fase.

Se a pressão para que o “espírito do Sínodo” seja uma cópia do Zeitgeist fosse apenas externa, eu realmente veria sentido em proteger as discussões sinodais. Mas sabemos que não é assim, que muita gente dentro da Igreja quer transformá-la no que ela não é. Então, o melhor neste caso é abrir os janelões, como pediu São João XXIII falando do Concílio Vaticano II, e permitir que acompanhemos, na medida do possível, quais pressões heterodoxas estão sendo feitas dentro da Igreja, e quem as está levando adiante. Como disse na semana passada, temos de separar os pastores dos lobos, e o Sínodo tem de servir ao menos para isso.

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