José Genoino, em foto de 2004: ex-presidente do PT defendeu alguma regulamentação sobre igrejas, mas misturada com outros segmentos para não parecer perseguição religiosa.| Foto: Caetano Barreira/EFE
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Fato 1: Lula é amigo e aliado de Daniel Ortega, ditador da Nicarágua. Fato 2: Ortega é um perseguidor contumaz da Igreja Católica, já tendo mandado prender padres e bispos, e ordenado o fechamento de veículos de imprensa confessionais e a expulsão de ordens religiosas inteiras. Isso aí o TSE não tem como negar. Não tem nada de “sabidamente inverídico” aí.

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Disso se conclui que Lula mandará fechar igrejas, agora que venceu a eleição? Não necessariamente, e inclusive acho que os conservadores que espalharam essas alegações, ainda que na maior boa fé, acabaram entregando para o petismo uma chance de passar por amigo dos cristãos e defensor da liberdade religiosa. Bastou à campanha dizer que “Lula não vai fechar igrejas” e pronto. Ainda por cima, Lula aproveitou para capitalizar em cima de atos como a Marcha Para Jesus, quando tudo o que ele fez foi sancionar, em 2009, uma lei que instituía uma data fixa para um evento que já existia – e o projeto nem veio do PT, mas de um senador ligado à Igreja Universal. O petista também chegou a insinuar que o Brasil só tem liberdade religiosa graças a ele, quando na verdade Lula apenas sancionou uma mudança no Código Civil que inclui as organizações religiosas na lista de pessoas jurídicas de direito privado; a liberdade religiosa já estava explicitamente prevista desde a Constituição de 1988.

Mas o fato de que provavelmente Lula não vai mandar fechar igrejas não quer dizer que o PT as deixará em paz. Leiam (ou leiam de novo) a coluna do Flávio Gordon, aqui na Gazeta, em que ele mostra, usando exemplos de vários regimes revolucionários mundo afora, que o fechamento de igrejas é apenas o passo final de todo um processo de perseguição mais soft, que começa com um aumento do discurso contra os cristãos, depois passa para um aumento de burocracia aqui, um constrangimento jurídico acolá, e só no fim o governo parte para a ignorância total, quando não é capaz de cooptar as igrejas. A parte retórica nós já estamos presenciando, especialmente direcionada aos evangélicos, embora os católicos conservadores também estejam no alvo. A próxima etapa, segundo Flávio Gordon, é “o assédio administrativo, burocrático e judicial (cobrança de impostos, fiscalização abusiva, cassação de licenças de funcionamento, recusa de alvarás, exigências burocráticas draconianas etc.)”.

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O fato de que provavelmente Lula não vai mandar fechar igrejas não quer dizer que o PT as deixará em paz

Ainda antes do segundo turno, eu conversava com o Thiago Vieira, das Crônicas de um Estado laico, e dizia que, se eu tivesse de apostar dinheiro em algo que eu consideraria provável, seria na tentativa de acabar com a imunidade tributária das igrejas. Pena que não apostei. No sábado passado, o ex-deputado federal, ex-presidente do PT e ex-presidiário José Genoino, condenado no mensalão (sua pena foi extinta em 2014 graças a um indulto natalino de Dilma Rousseff), participou de uma live do site esquerdista Diário do Centro do Mundo. A certa altura, depois de a advogada Sara Vivacqua se referir às igrejas evangélicas como “máquinas de lavagem cerebral” (olha a desmoralização retórica aí!) e de Genoino narrar a estratégia dos comunistas italianos de se infiltrar na Igreja Católica por orientação de Antonio Gramsci, ainda por cima chamando o terço de integrante da “tríplice aliança do mal”, ocorreu o seguinte diálogo:

Vivacqua: Eu acho que essa questão da igreja, não teria que ser regulada? Eles não teriam que estar pagando impostos, eles não teriam que ter algum tipo de restrição? Como que você vê isso, pra além de trabalhar com as bases? Nós temos um problema, que eles são um quinto poder, uma instituição, têm até território.

Genoino: Nós temos que tratar institucionalmente esse problema. Agora, com muita habilidade para que eles não coloquem que a gente está perseguindo as igrejas. Nós vamos ter que fazer isso de maneira bem equilibrada. Isso não pode começar com eles, tem que começar, por exemplo, mudando o sistema tributário, que não são só as igrejas que não pagam imposto no Brasil, os meios de comunicação, vocês sabem disso, as isenções do papel, das rádios, tem que fazer uma reforma agrária no ar para depois chegar na terra, e ao chegar na terra nós vamos ter que colocar isso num conjunto mais amplo, porque senão eles vão dizer que estamos perseguindo as igrejas e vira uma guerra santa. O que esse pessoal quer é fazer o maniqueísmo da guerra santa; portanto, a gente tem que ter cuidado. Eu acho que aí vai exigir uma habilidade muito grande para que nós possamos fazer isso.

Não acredita? Veja com seus próprios olhos, a partir do minuto 57 do vídeo original publicado pelo DCM (a conversa sobre igrejas começa no minuto 48, inclusive com a referência a Gramsci).

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Em outras palavras, a ideia é tentar ir atrás das igrejas, sim, mas colocando outros segmentos no bolo para não ficar parecendo que é perseguição religiosa. Vai dar certo? Não temos como saber, até porque algumas coisas dependem de emenda constitucional, mas Vieira me contou que ainda existem inúmeras outras medidas que podem atrapalhar o funcionamento das igrejas e que não dependem nem mesmo do Congresso, bastando portarias ou instruções ministeriais. E disso eu não duvido nem um pouco. Não seremos uma Nicarágua, a não ser que as coisas degringolem muito rapidamente, mas não descarto que tentarão, sim, pavimentar o comecinho da estrada que leva até lá.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]