O papa Francisco na audiência geral de 30 de novembro de 2022, no Vaticano.| Foto: Ettore Ferrari/EFE/EPA
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No fim de novembro, a revista jesuíta America publicou uma longa e interessante entrevista com o papa Francisco. Temos respostas boas (sobre a crise de abusos sexuais, sobre a Ucrânia, sobre a impossibilidade de ordenação de mulheres), outras esquisitas (sobre uma suposta controvérsia a respeito do status de pessoa humana do embrião – de resto, a parte sobre aborto está muito boa), uma tentativa de defender o acordo com a China, e boas frases de efeito (“os comunistas roubaram alguns dos nossos valores cristãos, e de outros eles fizeram um desastre”). Mas a resposta que destaco essa semana é sobre as conferências episcopais.

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Os entrevistadores citaram uma pesquisa de 2021 feita pela própria revista, com católicos norte-americanos: apenas 20% dos pesquisados consideraram a conferência episcopal norte-americana como “muito confiável”; quando se tratava de avaliar o próprio bispo, o porcentual de “muito confiável” subiu para 29%. “Como os bispos americanos podem reconquistar a confiança dos seus fiéis?”, foi a pergunta feita ao papa, que respondeu:

“É uma boa pergunta porque trata dos bispos. Mas acho que é enganoso falar do relacionamento entre os católicos e a conferência episcopal. A conferência não é o pastor; pastor é o bispo. Então, quando se olha apenas para a conferência episcopal há o risco de diminuir a autoridade do bispo. A conferência existe para ser uma instância de reunião dos bispos, para que trabalhem juntos, discutam temas, façam planos pastorais. Mas cada bispo é um pastor. Não vamos dissolver o poder do bispo reduzindo-o ao poder das conferências episcopais, porque neste nível há tendências opostas, mais à direita, mais à esquerda, mais para cá, mais para lá. E, de qualquer forma, a conferência não tem a responsabilidade direta que o bispo, o pastor tem com os seus fiéis.
Jesus não criou conferências episcopais. Jesus criou bispos, e cada bispo é o pastor de seu rebanho. Sobre isso, lembro um autor do século 5.º que, para mim, escreveu o melhor perfil de um bispo. É Santo Agostinho, no seu tratado
De Pastoribus.
Então, a pergunta é: qual é o relacionamento do bispo com seus fiéis. Permitam-me mencionar um bispo do qual não sei se é conservador, progressista, de direita ou de esquerda, mas que é um bom pastor: o bispo [Mark] Seitz [de El Paso], na fronteira com o México. Ele é um homem que compreende todas as contradições daquele local e lida com elas como um pastor. Não digo que os outros não são bons, mas falo deste, que eu conheço. Há bons bispos mais à direita, outros bons bispos mais à esquerda, mas que são mais bispos, mais pastores que ideólogos. Esta é a chave.”

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“Jesus não criou conferências episcopais. Jesus criou bispos, e cada bispo é o pastor de seu rebanho.”

Papa Francisco, em entrevista à revista America.

Mais adiante, o tema voltou quando os entrevistadores perguntaram ao papa se a luta contra o aborto deveria ser a maior prioridade da conferência episcopal norte-americana. E Francisco respondeu:

“Isso é algo que a própria conferência tem de resolver. O que me interessa é a relação do bispo com seu povo, que é sacramental. A outra questão é organizacional, e algumas vezes as conferências se equivocam. Vejam o que houve na Segunda Guerra Mundial, quando certas escolhas das conferências episcopais foram erradas do ponto de vista político e social. Às vezes a maioria prevalece, mas talvez a maioria não esteja certa.
Em outras palavras, que fique claro: uma conferência episcopal frequentemente tem de se posicionar sobre a fé e sobre as tradições, mas acima de tudo, sobre administração diocesana e por aí vai. A parte sacramental do ministério pastoral está no relacionamento entre o pastor e o povo de Deus, entre o bispo e seu rebanho. E isso não pode ser terceirizado para a conferência episcopal. A conferência ajuda a organizar encontros, que são importantes. Mas, para o bispo, o mais importante é ser um pastor. O mais importante – essencial, eu diria – é o sacramental. Obviamente, cada bispo tem de buscar estar em fraternidade com os outros bispos, isso é importante. Mas o essencial é o relacionamento com o seu povo.”

A questão é que, para algumas coisas, as conferências episcopais são importantes, a ponto de os papas, ao longo das décadas, terem lhes delegado certos poderes que ordinariamente caberiam apenas a Roma. O problema é que muitas vezes as conferências acabam se preocupando mais com outras coisas que com aquilo que efetivamente lhes cabe. Se a CNBB, por exemplo, pegasse metade do tempo que passa fazendo politicagem com notas enviesadas com ideologia de esquerda, e o empregasse na tradução do missal (que de fato é uma missão da conferência, até porque seria caótico e impossível cada diocese ter sua versão), o trabalho já estaria terminado faz muito tempo – só lembrando, a terceira edição latina é de 2002.

O que o papa está dizendo é que a conferência não supera nem substitui a autoridade que cada bispo tem sobre a Igreja particular que preside. A conferência não é um “superbispo”, não é instância intermediária entre o bispo e o papa, nem pode ficar se intrometendo na forma como cada bispo pastoreia sua diocese; ela é uma instância de trabalho conjunto, apenas naquilo que exija esse nível de coordenação. Bispo não deve obediência à conferência episcopal, nem tem obrigação de dizer “amém” a tudo que vem dela, muito menos de órgãos específicos – em 2010, bispos corajosos criticaram um “plebiscito” sobre reforma agrária apoiado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) – e menos ainda quando quem toca o dia a dia da conferência nem são os bispos, mas assessores ideologicamente enviesados, do tipo que até censuram artigos de bispos no site da conferência, como ocorreu com o saudoso dom Luiz Gonzaga Bergonzini nas eleições de 2010.

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Difícil dizer se o papa, ao responder a uma pergunta sobre a conferência episcopal norte-americana, também quis mandar um recado aos “sinodais” alemães, que chegaram a pretender que suas loucuras tivessem de ser obrigatoriamente acatadas mesmo pelos bispos contrários – aliás, senti falta de uma pergunta específica sobre o “caminho sinodal” alemão. Mas a mensagem dele é bem clara e aplicável a todas as conferências, em todo o mundo. Quero saber quantas vão ouvir e entender o recado...

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]