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Quando publiquei minha coluna sobre O Poder e a Glória, na semana passada, nem percebi duas coincidências: poucos dias depois, no sábado, dia 23, seria celebrada a festa litúrgica do bem-aventurado Miguel Pro, padre jesuíta que foi um dos mártires mais famosos da perseguição anticatólica no México; e o domingo seria a solenidade de Cristo Rei, aquele a quem os católicos mexicanos exaltavam em seu último momento, antes de serem fuzilados – aliás, a instituição dessa solenidade por Pio XI completa um século no ano que vem. Como todo católico familiarizado com o calendário sabe, Cristo Rei encerra o ano litúrgico, e o próximo domingo já é o primeiro do tempo do Advento: é o momento em que muitas famílias enfeitam suas casas para o Natal, com destaque (assim espero) para o presépio.
(Só lembrando que não existe um dia obrigatório para se colocar os enfeites de Natal; outras datas bastante usadas são 6 de dezembro, festa de São Nicolau – o precursor do Papai Noel –, e 8 de dezembro, solenidade da Imaculada Conceição.)
Em 2019, o papa Francisco escreveu uma linda carta apostólica sobre o presépio. A maior parte de Admirabile signum (“sinal admirável”) é uma bela reflexão sobre os elementos do presépio: o Menino Jesus, a Sagrada Família, os pastores, os reis magos e todos os demais personagens da cena natalina. “O Presépio narra o amor de Deus, o Deus que Se fez menino para nos dizer quão próximo está de cada ser humano, independentemente da condição em que este se encontre”, afirma o papa. Quando fala, por exemplo, das figuras que não têm relação com a narrativa do Evangelho – seja as cenas cotidianas dos incríveis presépios napolitanos, seja os personagens que as crianças colocam perto da manjedoura –, Francisco afirma que “neste mundo novo inaugurado por Jesus, há espaço para tudo o que é humano e para toda a criatura”.
Quando fala do presépio em locais públicos como um “costume” que ele deseja “apoiar”, Francisco está nos incentivando a não deixar o presépio apenas dentro de nossas casas, mas levá-lo ao mundo
Mas hoje quero destacar outro aspecto importante da carta. Logo no início, Francisco diz querer “apoiar a tradição bonita das nossas famílias prepararem o presépio, nos dias que antecedem o Natal, e também o costume de o armarem nos lugares de trabalho, nas escolas, nos hospitais, nos estabelecimentos prisionais, nas praças”. E logo aqui já chamo a atenção para o que o papa nos pede: que rememos contra a corrente do laicismo que tenta reduzir a fé ao âmbito exclusivamente privado. Quando fala do presépio em locais públicos como um “costume” que ele deseja “apoiar”, Francisco está nos incentivando a não deixar o presépio apenas dentro de nossas casas, mas levá-lo ao mundo, que muitas vezes já se esqueceu completamente do motivo pelo qual paramos todo fim de ano para celebrar e trocar presentes.
Pense aí em quantas vezes você já viu um presépio fora de um ambiente público confessional. Afinal, uma coisa é você encontrar a cena do nascimento de Cristo em uma escola ou hospital católico; isso é o esperado de uma instituição cujo ethos é religioso. Outra coisa é você ver um presépio em uma loja, um shopping center... quando vejo um presépio num lugar desses, e especialmente se for um presépio grande, nada escondido no meio de outras decorações natalinas, me invade um misto de surpresa e alegria. Vale o mesmo para qualquer evento natalino que não seja organizado por igreja ou grupo religioso, mas que enfatize o nascimento de Cristo.
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Recuperar o Natal para Cristo é algo que todos nós podemos fazer, inclusive na esfera pública. Comecemos pelo presépio, montando-o em nossas casas – quem puder, que considere aquelas imagens maiores, às vezes iluminadas, para colocar em um ambiente externo, à vista de quem passa pela rua. Se for possível, tenhamos também um pequeno presépio em nossas mesas de trabalho. Não deixe de elogiar os estabelecimentos comerciais que exibem presépios – seja nas mídias sociais, seja por uma mensagem ou e-mail direto, para que os responsáveis saibam e se sintam incentivados a seguir com esse costume. Se quiser (porque não sou eu que vou dizer o que cada um deve fazer com seu dinheiro), elogie “com o bolso” também, e diga à loja que ela ganhou um cliente porque montou um presépio – ao menos a mim pouco importa se o comerciante só colocou o presépio para atrair clientela católica ou cristã; importa mais o efeito que aquela ação produzirá em quem vê a Natividade. E, por fim, quando estivermos mais perto da data, troque o insosso “boas festas” por um “feliz Natal”.