Ouça este conteúdo
Perguntaram ao papa sobre renúncia no voo de volta do Canadá, e Francisco disse que “a porta está aberta” (e, de fato, a possibilidade voltou a existir para qualquer papa desde a renúncia de Bento XVI), mas que ele no momento não pensa nisso. Apesar da negativa, a boataria voltou com força. Já expliquei na coluna, semanas atrás, por que acho muito difícil que Francisco renuncie no futuro próximo (e expliquei também por que as limitações de movimento do papa não apontam para um problema mais grave de saúde). Mas... e se acontecesse algo? Quem seriam os candidatos mais fortes a se tornar o 267.º pontífice da Igreja Católica?
O vaticanista Edward Pentin, que vive em Roma há mais de uma década e tem site próprio, mas também colabora com veículos de imprensa como o canal EWTN e o National Catholic Register (não confunda com o National Catholic Reporter, mais, hm, “progressista”), se propôs a responder a essa pergunta com um esforço monumental de pesquisa que resultou em The Next Pope – the leading cardinal candidates, lançado em junho de 2020. O livro traz perfis bastante completos de 19 cardeais, fruto de um trabalho que Pentin não fez sozinho, evidentemente: ele contou com uma equipe capaz de varrer a internet e publicações impressas, inclusive conteúdos na língua nativa de cada cardeal, para trazer as informações que o autor considera necessárias para que o leitor conheça bem cada um dos retratados. Aliás, não duvido nada que The Next Pope tenha se tornado leitura útil para os próprios cardeais, já que, até por causa da pandemia, não tem havido muitas ocasiões para que eles se encontrem e possam trocar ideias.
The Next Pope é um trabalho muito amplo e criterioso, leitura essencial para todos os que gostariam de conhecer mais sobre aqueles que escolherão e poderão ser escolhidos para governar a Igreja
Depois de uma breve introdução sobre o desenvolvimento histórico da função dos cardeais, e da explicação do funcionamento de um conclave, Pentin apresenta aqueles cardeais que ele considera “papáveis” sempre com a mesma estrutura em cada perfil, dividido em três “ofícios” que são fundamentais para qualquer pastor, mas especialmente para o chefe da Igreja Católica: o de santificar, o de governar e o de ensinar. Na primeira parte, o leitor descobre como cada cardeal se porta como celebrante, que devoções valoriza, que preferências litúrgicas tem. Na segunda, vemos como cada cardeal se saiu como administrador – de uma paróquia, de uma diocese, de algum dicastério na Cúria etc. –, que desafios encontrou e como enfrentou cada um deles, de dificuldades financeiras a escândalos de abuso. Por fim, ficamos sabendo as opiniões de cada cardeal a respeito de temas importantes para a vida católica, sejam doutrinais, disciplinares, morais, políticos, o que for: celibato sacerdotal, defesa da vida e da família, moral sexual, Doutrina Social da Igreja, Amoris Laetitia, imigração, ecumenismo e diálogo inter-religioso, papel da mulher... Acredito que, para muitos leitores, essa será a parte mais importante de cada perfil – e normalmente costuma ser a mais longa, a não ser que se trate de algum cardeal extremamente discreto.
Quem conhece o trabalho de Pentin sabe que ele é o que se convencionou chamar de “conservador” – eu não sou muito fã de aplicar categorias políticas à vida da Igreja, então prefiro algo como “ortodoxo”, no sentido de alguém que defende com firmeza a doutrina da Igreja, o respeito às normas litúrgicas, e por aí vai. Mas, justiça seja feita, o autor não deixa as próprias convicções atrapalharem a forma como cada cardeal é retratado, especialmente nos trechos sobre o múnus de ensinar. As descrições são feitas da maneira mais objetiva possível: “na ocasião tal, o cardeal Fulano deu uma entrevista ao jornal X, e afirmou isso e aquilo”, ponto – e tudo com as devidas referências, em quase 2,3 mil notas de rodapé. Para que Pentin acabe deixando sua opinião transparecer de forma mais evidente, o cardeal precisa ter aloprado muito (Schönborn, é contigo).
VEJA TAMBÉM:
Mesmo assim, acho que existe um aspecto crucial do livro em que Pentin talvez tenha deixado as próprias preferências falarem mais alto, e foi a escolha dos 19 cardeais. Eu realmente adoraria que Raymond Burke, Malcolm Ranjith e Robert Sarah estivessem entre os mais cotados para suceder Francisco, mas, ao que tudo indica, sua presença no livro está mais para um wishful thinking de Pentin que para a realidade da política cardinalícia; em 2013 certamente eram nomes fortes para quem pretendia uma continuidade com Bento XVI, mas depois de quase dez anos de Francisco sinto que eles se tornaram azarões. E, falando em cardeais cujas chances são pequenas, tenha em mente o leitor que dois anos se passaram desde o lançamento do livro; nesse meio tempo, Angelo Scola e Wilfrid Napier completaram 80 anos, deixando de ser eleitores – e, com isso, tornando quase impossível que também sejam eleitos. Nos próximos 12 meses, outros três cardeais presentes no livro também passarão a ser não eleitores: Gianfranco Ravasi (em outubro), Angelo Bagnasco (em janeiro de 2023) e Dominik Duka (em abril de 2023).
Só senti falta, em The Next Pope, de algo que serviria para Pentin mostrar todo o seu conhecimento como vaticanista (e me convencer de que Burke, Ranjith e Sarah ainda estão no páreo pra valer): as razões pelas quais cada um dos cardeais retratados tem chances de se tornar papa, e os fatores que jogam contra cada um deles. Seu colega John Allen Jr. fez isso de forma bastante interessante no conclave de 2013 – naquela ocasião, a Gazeta do Povo conseguiu autorização para traduzir os perfis escritos por ele; veja, por exemplo, o que Allen escreveu sobre Jorge Mario Bergoglio e sobre outros oito cardeais que também aparecem no livro de Pentin: Péter Erdő, Marc Ouellet, Luis Antonio Tagle, Peter Turkson e os já citados Ranjith, Ravasi, Sarah e Scola.
Mesmo assim, The Next Pope é um trabalho muito amplo e criterioso, leitura essencial para todos os que gostariam de conhecer mais sobre aqueles que escolherão e poderão ser escolhidos para governar a Igreja. Não rezo para que seja logo – minha oração por Francisco é aquela da Igreja, que “o Senhor o conserve, lhe dê vida e o torne feliz na terra”, e que seu pontificado seja não como eu quero, nem como ele quer, e sim como Deus quer. Mas, quando a hora chegar, informação como a que Pentin nos traz com seus perfis nunca será demais.