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O arcebispo de Porto Alegre e presidente da CNBB, dom Jaime Spengler, foi um dos bispos escolhidos para participar de uma das entrevistas coletivas diárias ocorridas durante a sessão do Sínodo da Sinodalidade, no Vaticano, em outubro. Perguntado sobre a ordenação sacerdotal para homens casados, o futuro cardeal mencionou a falta de padres em várias regiões como um problema que precisa de aprofundamento, disse não saber se a ordenação de homens casados seria a resposta, e acrescentou: “A diocese onde eu estou, no sul do Brasil, num passado não muito distante, era um celeiro de vocações. Exportamos religiosas, religiosos, sacerdotes, inclusive bispos e alguns cardeais. Hoje eu estou num processo de agrupamento de paróquias naquela região”.
Suponho que, quando Porto Alegre era um “celeiro de vocações”, o celibato sacerdotal estava em pleno vigor, e isso não impediu a capital gaúcha de ter vários candidatos ao sacerdócio, certo? O curioso é que todo mundo se pergunta se ordenar homens casados resolveria a falta de padres, mas ninguém se pergunta o que transformou antigos celeiros de vocações nos atuais desertos de vocações. A resposta da segunda pergunta é muito mais importante que a da primeira.
Todo mundo se pergunta se ordenar homens casados resolveria a falta de padres, mas ninguém se pergunta o que transformou antigos celeiros de vocações nos atuais desertos de vocações
E há quem tenha a resposta: os tradicionalistas. A Administração Apostólica São João Maria Vianney, no Rio de Janeiro, tem pouco mais de 30 seminaristas, um número que só existe nos sonhos de muito bispo por aí – eu sei disso porque anos atrás entrei em contato com inúmeros seminários Brasil afora pedindo que respondessem a uma sondagem sobre ciência e fé. E só são 30 porque a Administração Apostólica filtra muito bem os candidatos, já que os interessados passam de 300 por ano, como disse o reitor do seminário, padre Mateus Costa, à repórter Nathalia Zimbrão, da ACI Digital.
Mas alguém se preocupou em ouvir os tradicionalistas no Sínodo? Não, diz Edward Pentin no National Catholic Register. Pentin amplia a excelente análise feita por George Weigel na First Things, que já citava um punhado de grupos “silenciados” durante o Sínodo – dos casais felizes que vivem a doutrina da Igreja aos católicos perseguidos na China, dos médicos e profissionais de saúde empenhados em defender a vida em meio à cultura da morte aos que mantêm apostolados para pessoas LGBT que desejam viver de acordo com o que a Igreja lhes pede –, para incluir também os tradicionalistas, que estão com igrejas e seminários cheios e teriam muito a dizer, se os responsáveis pelo Sínodo realmente estivessem dispostos a ouvir.
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E isso que eles tentaram ser ouvidos. Diz Pentin que grupos ligados à missa tridentina, especialmente nos Estados Unidos e no Reino Unido, encorajaram seus membros a participar do processo sinodal no nível diocesano, e algumas de suas preocupações chegaram a constar em alguns relatórios nacionais, apenas para serem ignoradas na fase final, no Vaticano. O resultado é óbvio: diante do problema real da falta de sacerdotes, em vez de buscarem a experiência de quem continua estimulando vocações, a única coisa que veio à mente das pessoas que estavam lá em Roma em outubro era ordenar mulheres e homens casados.
No meio do lero-lero eclesiástico que caracteriza o relatório final do Sínodo, há uma definição de “sinodalidade”: “é o caminhar junto dos cristãos com Cristo em direção ao Reino de Deus, em união com toda a humanidade; orientada à missão, ela compreende o reunir-se em assembleia nos diversos níveis da vida eclesial, a escuta recíproca, o diálogo, o discernimento comunitário, a formação de consensos como expressão da presença do Cristo vivo no Espírito e a tomada de decisões em uma corresponsabilidade diferenciada”. Mas, se o discurso diz que todos deveriam ser ouvidos, por que os tradicionalistas – e tantos outros, como diz Weigel – foram silenciados? Por que o Sínodo deu a impressão de que os únicos que tinham algo a dizer eram os revolucionários do padre James Martin e os movimentos de mulheres que querem ser ordenadas?
Se o discurso sobre sinodalidade diz que todos deveriam ser ouvidos, por que os tradicionalistas – e tantos outros – foram silenciados?
Weigel afirma que o Sínodo da Sinodalidade foi propagandeado como a coisa mais incrível a acontecer na Igreja desde o Concílio Vaticano II, mas vai entrar para história como algo cujo efeito na vida dos católicos será mínimo, bastante inferior a vários outros eventos como algumas Jornadas Mundiais da Juventude e outros Sínodos, como os dedicados à África, em 1994 e 2009. O irônico é que o hype foi criado pelos mesmos que serão as “vítimas” (no sentido de que não conseguiram o que queriam) do flop, os mesmos que vivem insistindo que suas vozes “precisam ser ouvidas” quando já são eles os que mais falam por aí, e isso há décadas. Uma ínfima minoria do bilhão de católicos em todo o mundo participou de qualquer coisa no processo sinodal, mas os militantes criaram um processo de três anos para dar a impressão de que estavam “ouvindo toda a Igreja”. Eles conseguiram montar e aparelhar uma assembleia global. E mesmo assim não deu em nada – e que tenha sido assim é demonstração de que o Espírito Santo agiu no Sínodo, como afirma Weigel citando um bispo.
Claro que os militantes não desistirão e continuarão tentando empurrar suas ideias como a solução para “revitalizar a Igreja”. Mas, se o papa Francisco quer mesmo a “Igreja em saída”, o “hospital de campanha”, precisa parar de dar ouvidos e prestígio a militantes vindos de locais marcados por um catolicismo decrépito, onde igrejas são vendidas e viram templos dos deuses modernos (do consumo ao prazer), e escutar com total abertura aqueles que vêm de onde o catolicismo é vibrante, onde há zelo eucarístico (“a Igreja vive da Eucaristia”, certo?), onde há vocações, onde se leva a fé a sério: as novas comunidades, os tradicionalistas, os africanos, e quem mais estiver por aí empenhado em levar Cristo a todos os lugares e realidades humanas.