Jonathan Campos/Gazeta do Povo| Foto:

Nossa relação com os Estados Unidos está mudando de patamar. Estamos prestes a testemunhar um novo momento, em que ambos os países – as duas maiores democracias e economias do Hemisfério Ocidental – finalmente se encontram, compartilham políticas e passam a agir de forma coordenada.

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Não se trata de algo trivial. Apesar de todas as afinidades de valores e interesses, a lente ideológica dominante até recentemente impedia que enxergássemos o óbvio: essa deve ser nossa relação estratégica mais importante, com grande potencial de desdobramentos positivos tanto no plano econômico quanto no político.

Esta nova visão estratégica passa pela discussão e implementação de uma agenda comum e o estabelecimento de canais de interlocução tanto com o Executivo quanto com o Congresso americanos. De certa forma, isso representa uma quebra de paradigma, pois historicamente nosso relacionamento ficou centrado no Executivo, em particular no relacionamento com o Departamento de Estado.

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A construção da nova relação não decorrerá automaticamente da convergência de valores. Liberar-se das lentes ideológicas que distorcem a visão é um primeiro passo para enxergar o caminho, mas é necessário dar passos concretos na direção desejada. Para isso, é preciso levar em conta o sistema de tomada de decisões nos EUA, muito mais complexo do que se imagina, o que requer estratégia de relacionamento multifacetada. Nesse contexto, é importante ocupar diferentes espaços e criar redes de contato que perpassem diversos departamentos e agências do Executivo, mas não descuide de cultivar deputados e senadores, que têm grande poder em política externa, estenda pontes com governadores, e crie lealdades em instâncias como os centros de estudos e “think tanks” que produzem narrativas sobre temas e países.

Nossa Embaixada em Washington é instrumento central de qualquer estratégia bem sucedida de defesa de nossos interesses, inclusive para conquistar mentes e corações quanto à importância da relação bilateral com um país que agora abraça os valores que nos definem como parte da mesma família ocidental: livre iniciativa, liberdades, democracia, proteção da família.

Para a construção dessa nova relação, fundada nessa ampla convergência, é fundamental que o Brasil aprenda a mover-se nesse ambiente complexo, utilizando as modernas técnicas de busca de influência, promoção dos interesses brasileiros e relacionamento com as distintas esferas que incidem sobre o exercício do poder.

Como parte desse esforço, seria fundamental desenhar um programa de familiarização de altos funcionários, membros do Congresso, acadêmicos e especialistas com o Brasil, convidando esses e outros formadores de opinião a visitar nosso país. Isso cria lealdades e abre canais importantes para a defesa de nossos interesses. Vários países usam esse tipo de instrumento, em particular Israel, outra nação com a qual o Brasil terá laços mais fortes e estreitos a partir de agora.

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A agenda burocrática de relacionamento inclui mais de 50 mecanismos de diálogo em diversas esferas, gerando dispersão de energia e resultados escassos. O embaixador Ernesto Araújo, que chefiou a área de EUA no Itamaraty, foi o responsável por tentar racionalizar essa pletora de mecanismos, com foco em uma agenda de prioridades, algo fundamental para o desenho desta nova forma de relacionamento.

Esse senso de direção agora encontra condição mais propícia para gerar resultados, o que dependerá do convencimento do lado americano de que vale a pena investir numa parceria estratégica de longo prazo com o Brasil. É preciso que o governo lidere os esforços e a narrativa como forma de se posicionar de forma inteligente perante o governo e a opinião pública norte-americana.

Se ficar claro a todos os interlocutores que o Brasil é confiável, está disposto a se alinhar com os EUA em questões fundamentais de valores e interesses comuns, será possível remover barreiras e obter flexibilidades que demandam mudanças legais e regulatórias nos EUA (daí a importância do relacionamento com a multiplicidade de esferas decisórias e interlocutores acima mencionados).

Os ganhos de uma relação madura com os Estados Unidos são inegáveis. Uma parceria bem construída, dentro um processo consistente, será algo muito benéfico para ambos os países e também para a região. A maior prova de que o Brasil chega amadurecido é o fato de estar disposto a dar este importante passo de forma coordenada, deixando para trás o antiamericanismo ideológico, atento aos pontos convergentes e ao potencial de benefícios que se abrem, que certamente serão responsáveis por desenhar uma relação verdadeiramente estratégica. Uma estratégia a favor do povo, do desenvolvimento e dos nossos legítimos valores nacionais.

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