Otimismo. Um inflexível otimismo. É esse o sentimento vigente, autossugerido por milhões de brasileiros face à hipótese de que o país possa estar caminhando para uma crise sem paralelo graças ao advento de amadores no poder. Em certos casos, além de um pavor natural, impera a dificuldade em lidar com o arrependimento pelo voto concedido. Já em outros, trata-se de puro fanatismo. Destrambelhamento típico dos petistas mais cegos a darem as caras nos últimos anos, apenas com o sinal trocado.
Seja como for, racionalmente, não faz sentido criarmos boas expectativas em relação a esse governo que começa agora.
E não me refiro apenas aos acontecimentos dos últimos dias, em especial da última sexta-feira, quando o próprio presidente se demonstrou incapaz de minimamente coordenar declarações com os seus subordinados.
No fundo, Bolsonaro deu todos os motivos para que desconfiássemos do discurso economicamente liberal usado na campanha. Desde o começo da sua carreira política, frise-se, não só da eleição.
As manifestações históricas do deputado Jair Bolsonaro em temas econômicos jamais convergiram para o liberalismo defendido pelo ministro da Economia, alardeado durante a campanha como sendo aquele que resolveria os temas relacionados à área.
Muito pelo contrário, Bolsonaro sempre foi um sindicalista. Sua grande preocupação, além de abrir caminho para os filhos na política, foi tão somente a de defender os interesses dos militares.
Sem falar no fato de ter cansado de votar com o Partido dos Trabalhadores em inúmeras ocasiões, além de ter trabalhado para a eleição de Ciro Gomes e depois votado em Lula, durante o pleito de 2002.
Pergunta sincera: o país acreditou realmente que um político com essa inclinação teria mudado radicalmente as suas concepções classistas?
Por favor, não me venham agora dizer que a divergência entre as visões de Bolsonaro e Paulo Guedes, desfiadas durante meses na imprensa, se dão somente no que diz respeito à Previdência. O discurso terraplanista dos fanáticos pode até iludir os incautos, porém a Previdência não é um caso de “só”, e sim de tudo. É a prioridade máxima. Ou pelo menos deveria ser.
Também suplico que parem de tergiversar sobre o modelo de reforma a ser seguido, de normalizar termos como “fatiamento” e “plano b”. Teses assim beiram a inocência, flertam com a irresponsabilidade e extrapolam qualquer tipo de torcida.
Politicamente, não há momento mais propício para um governo encampar medidas do que no começo de um mandato. Assim como não existe situação mais confortável para um parlamentar apoiar diretrizes impopulares, dada a distância para a próxima eleição. Por fim, ninguém começa uma negociação por baixo, sem prever gordura suficiente para que no final o seu objetivo seja alcançado.
O fato é que Jair Bolsonaro jamais deu quaisquer motivos para que acreditássemos em uma guinada liberal. Deu todos no sentido contrário, isso sim. Inclusive recentemente, quando tachou a reforma de Temer, já moribunda, de “salgada demais”.
Durante os próximos anos, já escrevi neste espaço e repito, Bolsonaro fará de tudo para reforçar a dicotomia do “nós x eles”, tal e qual fez o PT, de modo a esconder do debate os temas realmente fundamentais para a nação. Soldados para manipular essas arapucas retóricas não faltarão, a começar por ministros exóticos como o chanceler Ernesto Araújo e Damares Alves.
No fim das contas, será coerente com a sua trajetória.
Bobos somos nós. Ou, melhor dizendo, quem imaginou o contrário.
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