Dentre os mecanismos necessários para que haja equilíbrio em uma democracia talvez o principal seja a existência de uma oposição livre, capaz e com representatividade moral para confrontar governos. Não é à toa, portanto, que hoje estamos testemunhando a tentativa da imposição de uma doutrina, caso desse conservadorismo por vezes extremista incensado pelo governo Bolsonaro. Afinal, que possibilidade teria o PT, comandando por Gleisi Hoffmann e figuras do naipe de um Fernando Haddad, de um Lindbergh Farias, para falar em crimes de corrupção, irresponsabilidade fiscal e manipulação das massas?
Nesse sentido, o voluntarismo do vice-presidente Hamilton Mourão para se comunicar não poderia vir em melhor hora. Na verdade, por conta do seu status, ainda que sem ter essa intenção, Mourão faz até mais do que uma oposição teria condições de fazer.
Ao contradizer o bolsonarismo como fez ontem, quando na condição de presidente em exercício afirmou que “o Estado brasileiro não está pensando em mudança de nenhuma embaixada” — referindo-se à saída da representação brasileira de Tel Aviv para Jerusalém —, Mourão não deixa de fazer um contraponto. E mais ainda ao deixar escapar, ao ser lembrado de que tal medida tinha sido uma promessa do presidente, que “Bolsonaro falou, mas foi na campanha”.
Não que o boquirrotismo do general da reserva só tenha potencial para desagradar o governo e seus apoiadores. Durante sabatina aos candidatos a vice, surgiu o assunto Carlos Brilhante Ustra, coronel do Exército, único torturador declarado pela Justiça, e Mourão nem sequer tentou minimizar: “heróis matam”.
Tampouco mordeu a língua a respeito da promoção do filho no Banco do Brasil — talvez a mais vexatória de uma série de patinadas nesse início de mandato, só perdendo para o grave envolvimento do senador Flávio Bolsonaro com funcionários-fantasmas e possivelmente milícias. “Não, meu filho, isso aí é mérito seu e acabou, pô”, lembrou-se de ter dito ao filho quando este ameaçou recusar a ascensão no banco estatal.
Ainda assim, insisto, a incontinência verbal de Mourão é bem-vinda.
E se a minha opinião não vale, basta verificar nas redes sociais a recente postagem mal-humorada de Olavo de Carvalho, tido por muitos como guru do governo e responsável por algumas das piores nomeações aos ministérios: “Enquanto os israelenses estavam socorrendo as vítimas da tragédia de Brumadinho, o Mourão estava trocando beijinhos com a delegação palestina, prometendo que a nossa embaixada NÃO vai mudar para Jerusalém”. E continuou: “Se dependermos de tipos como Paulo Chagas e Mourão, em menos de um ano a quadrilha petista estará de volta ao poder, amparada nos serviços secretos da Rússia e da China”.
Preciso dizer mais?