Há coisa de poucos dias eu acompanhava pela televisão uma resenha sobre o atual momento político e os desafios à frente do país. Tudo corria bem, quando, incomodado com os reparos feitos pelos demais em relação à falta de articulações políticas necessárias para viabilizar a reforma da Previdência, um dos debatedores pediu calma. E justificou o motivo: “O governo assumiu há três meses. Se você contrata um bom profissional para sua empresa, nesse tempo ele mal vai saber onde fica o banheiro”.
Preciso admitir a minha incredulidade quanto a levar três meses para encontrar o banheiro, mas de uma coisa eu tenho certeza: Jair Bolsonaro já está às portas do quinto mês no comando do Brasil.
Pode parecer mero detalhe, ou implicância minha, entretanto o caso é outro. No afã de proteger o governo, de justificar um patamar de incompetência inesperado até mesmo pelos mais pessimistas, tem-se argumentado com frequência que a gestão ainda não pode ser cobrada, uma vez que mal houve tempo para se provar.
Pois, em tempos de fake news, essa surge incontestável.
Não só a atual administração já se encaminha para a metade do primeiro ano de mandato como contou com dois meses de transição. Portanto, quase sete meses.
Vale dizer, está longe de ser um privilégio do Capitão e seus aliados apelar para ginásticas retóricas de modo a angariar simpatia, comoção ou mesmo intimidar os críticos. Todas as gestões anteriores usaram de idêntico artifício para ganhar tempo, minimizar tropeços e se defender da oposição . E infelizmente todas, como agora, também puderam contar com uma parcela do seu fiel eleitorado disposta a difundir seus argumentos.
Contudo, nada disso explica ou tampouco justifica a balbúrdia gerencial instaurada até aqui pelo presidente e a falange ideológica de seu governo, por ele tão empoderada. Assusta, isso sim, que descompassos graves, alguns impensáveis, como a dificuldade em formar uma mínima base de apoio no Congresso, sejam normalizados.
Reclamo da benevolência de muitos em relação ao governo, todavia sei que a tendência é a sua expansão. Se cinco meses são três, logo um ano será “apenas” um ano. E é claro que o fato de o PT ter permanecido tanto tempo no poder servirá de desculpa. É inclusive razoável imaginar alguém argumentando que só após mais de uma década ininterrupta no poder a gestão Bolsonaro poderá ser avaliada com justiça.
Eis a grande ironia: caso levássemos em conta a falácia utilizada pelo governo e seus apoiadores para blindá-lo de críticas, as cobranças passariam a fazer ainda mais sentido. Afinal, se em três meses já foram capazes de aprontar tamanho caos, imaginemos como estará o país daqui a quatro anos.