Em meio ao pior momento da maior tragédia sanitária em nossa história, questionar a proposta de um lockdown geral talvez não seja atitude das mais convenientes, entretanto seu mérito faz valer a pena.
Tenho tanto de negacionista quanto os heróis anônimos que em hospitais Brasil afora arriscam a própria vida para salvar a do próximo. Quando saio de casa, sempre uso a melhor máscara disponível. Ziguezagueio pelas calçadas se avisto alguém desprotegido e não hesito em chamar a atenção de estranhos. Para além de seguir recomendações da ciência, nutro profunda tristeza pelo sofrimento de tantos e revolta por um governo que em momento algum se esforçou para evitar a morte de centenas de milhares de brasileiros. Mortes que poderiam ter sido evitadas.
Minha questão com um possível fechamento do país para tentar conter o Sars-CoV-2 não passa por antipatia a medidas restritivas, mas pelo fato de a proposta ser inexequível. Justamente por esse motivo, favoreceria a narrativa de Jair Bolsonaro.
O principal entrave para que a pauta de um lockdown nacional deixe o campo das boas intenções é acachapante: 8.516.000 km². Continental, o país tem cantos em que o Estado simplesmente não chega. Sem falar naqueles em que é barrado, como favelas e comunidades sob o jugo do crime organizado.
Outro motivo importante diz respeito à nossa pouca disposição para assumir o compromisso de ficar em casa. De políticos a cidadãos comuns, a verdade é que nunca abraçamos o isolamento. Há um ano, até nos dispusemos a fazer algo próximo do que pode se chamar de quarentena — longe de ser um lockdown propriamente dito. Hoje, nervos em frangalhos e geladeira que esvazia, tal sugestão é recebida com enfado.
O fator econômico é nó derradeiro que nem mesmo a probabilidade de ultrapassarmos meio milhão de vidas perdidas até o meio do ano é capaz de desatar.
Tenho assistido com frequência ao neurocientista Miguel Nicolelis defender abertamente um lockdown nacional e não faltam especialistas que, embora menos incisivos, endossem o seu discurso. Há quem saliente a necessidade de proteger a população economicamente vulnerável, mas o tom é sempre imperativo: “tem de fazer, não há outro jeito”.
O momento não poderia ser mais dramático, porém, no mundo real, recursos escassos não se tornam disponíveis apenas por vontade política. Ainda que mais de três mil pessoas morram por dia — o número de beneficiados pelo novo auxílio emergencial, que começará a ser pago em 16 de abril, caiu de 68 milhões de pessoas para 45 milhões, sendo que em 2020 houve cinco parcelas de R$ 600 e mais quatro de R$ 300, ao passo que desta vez serão quatro de R$ 250.
Afora a vacina, o isolamento social e o uso de máscara são as melhores maneiras de combater a pandemia. Medidas restritivas duras são necessárias e comprovadamente eficazes, contudo devem ser aplicadas com base em dados e em localidades que reúnam condições de executá-las como se espera.
O presidente da República é o grande culpado pelo estrago que a pandemia vem causando. Se estamos nesta situação, acima de qualquer outro motivo, é porque, sob sua batuta, o governo não fez o dever de casa. Não promoveu campanhas que estimulassem um comportamento responsável e não se posicionou para adquirir imunizantes quando eles estivessem disponíveis. Pelo contrário, remou contra a ciência e medidas eficazes o tempo inteiro.
Sugerir que um país com as dimensões do Brasil e mais de 200 milhões de habitantes — dos quais, segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), 47% não têm acesso a saneamento básico — possa se fechar totalmente não é apenas utópico, vai ao encontro das narrativas preferidas de Bolsonaro: desacreditar a ciência e culpar o “alarmismo” pela debacle da economia.
Até hoje Jair repete a mentira sobre o STF ter isentado o Executivo de responsabilidade ao dar autonomia a governadores e prefeitos para enfrentar a Covid-19. Não precisa de outra muleta.
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