O mote da resenha na ventura de uma derrota já está delineado: Paulo Guedes lutou praticamente sozinho pelas reformas econômicas em meio a um governo preocupado acima de tudo com debates ideológicos e as chamadas guerras culturais. Trata-se de um bom argumento se o sujeito — Faria Lima e o próprio Guedes acima de todos — estiver interessado em justificar as suas escolhas, contudo não fica de pé para quem acompanhou atentamente o desenrolar dos fatos desde as eleições passadas.
De saída, se Bolsonaro usou Guedes como chamariz eleitoral, a recíproca não poderia ser mais verdadeira. Já tendo conversado com pré-candidatos, o economista não hesitou em pular no cavalo selado do bolsonarismo de modo a conquistar o tão almejado cartaz nacional.
Pior, embarcou em uma canoa sabendo muito bem o tamanho do rombo no seu casco. Não me refiro aqui ao jogo político — esse ele não apenas desconhecia como não tem inteligência emocional para acompanhar —, mas à natureza de Jair Bolsonaro. A aversão, no sentido mais estrito possível, a qualquer conceito de liberalismo que ele desde sempre fez questão de explicitar. Inclusive o econômico.
Pois ainda assim Guedes decidiu emprestar o seu prestígio junto ao mercado financeiro para impulsionar Bolsonaro rumo à presidência da República. Que não se tenha a ousadia agora, de enfeitá-lo com uma coroa de espinhos.
Resolvida a questão do vitimismo, constatado que antes de mártir Paulo Guedes é sócio nessa calamidade chamada administração Jair Bolsonaro, cabe ponderar a sua atuação.
É verdade, não tenho conhecimento técnico para puxar a orelha de um economista ordinário, que dirá de um tarimbado, como é o caso. Entretanto sou capaz de perceber quando o sujeito fala mais do que a boca. Quando é vendedor. Quando, em absoluto desrespeito para com a própria ignorância, injeta ânimo para angariar apoio à causa que defende.
Pois foi exatamente dessa forma que Paulo Guedes se comportou até aqui. Não somente escorregando na prepotência, mas demonstrando uma notável aptidão para minar o próprio caminho.
Durante a campanha, chegou a falar em privatizações como se elas fossem a coisa mais trivial em um país cujo lobby do funcionalismo público é tão forte como o nosso. Ou, diga-se, como se o seu chefe direto fosse um notório defensor dessa agenda.
Depois, com o governo já eleito, durante palestra em Davos, o ministro resolveu comprometer-se com o déficit orçamentário zerado ainda este ano.
Talvez nada tenha sido pior até aqui, porém, do que ouvir Paulo Guedes falando sobre a reforma da Previdência. Já houve de tudo, desde garantir uma quantidade específica de votos para a sua aprovação, até determinar o impacto mínimo desejado em dez anos.
Pergunto: se ninguém tivesse ouvido falar em R$ 1,1 trilhão, como R$ 600 bi seriam encarados? A resposta é simples: jamais saberemos. Todavia, graças ao gogó do superministro, R$ 600 bi já podem muito bem ser tomados como “menos da metade da meta”.
Não é o caso aqui de fazer previsões, mas é fato comprovado que por mais de uma vez Guedes veio a público argumentar que poderia deixar o governo antes da hora. Caso aconteça, dependendo de como terão sido encaminhadas as reformas até lá, pode sair menor do que entrou.
Merecidamente.
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