Perguntas incisivas por parte dos âncoras e um candidato que soube assimilar os golpes, lidando com cada um deles de maneira experiente. Então, passado esse mau momento, o postulante encerrou a sabatina altivo. Foi mais ou menos assim que se desenrolou a entrevista de Ciro Gomes ao Jornal Nacional, na primeira da série de entrevistas conduzidas por William Bonner e Renata Vasconcellos com os candidatos mais bem colocados nas pesquisas.
E foi justamente por conta desse cenário que duas expectativas foram criadas em relação ao encontro seguinte, quando seria a vez de Jair Bolsonaro encarar a bancada do jornal mais assistido do País: em primeiro lugar, William e Renata continuariam dando um show de jornalismo. Fariam questionamentos bem formulados, não deixariam que o candidato os interrompesse e muito menos que assumisse o papel de protagonista. Acima de tudo, otimizariam o tempo, tornando o encontro produtivo para o eleitor.
Depois, que Jair Bolsonaro finalmente se depararia com um cenário hostil no melhor sentido do termo. Nada perto, por exemplo, do ocorrido no programa Roda Viva, quando foi levado a tratar de assuntos desimportantes em relação ao corolário de reformas fundamentais que por força se avizinham. Sabidamente avesso a temas densos em função da sua total falta de experiência no Executivo, e dessa vez sem ter de dividir espaço e tempo com os adversários, o candidato líder em todas as pesquisas poderia enfim ser avaliado pelo grande público. Este, por sua vez, teria a chance de saber o que ele pensa e quais são seus planos e soluções para o Brasil.
Trocando em miúdos, tudo levava a crer que Jair Bolsonaro deixaria os estúdios da Rede Globo preocupado.
Pois não foi bem assim que aconteceu. Aliás, longe disso.
Começando novamente por aqueles que deveriam conduzir o candidato por uma sequência de perguntas desconfortáveis, sem permitir demoradas tergiversações de sua parte, é preciso dizer: não foi o dia de Bonner e da bela e competente Vasconcellos.
É claro que perguntas minimamente capciosas foram formuladas e a classe de ambos estava ali. Contudo, os raros momentos nos quais Bolsonaro se viu desconfortável — como quando tolamente tentou constranger Renata Vasconcellos a respeito da diferença salarial entre homens e mulheres — aconteceram muito mais por demérito seu do que por mérito da bancada. A própria Renata, diga-se, chegou a perguntar sobre homofobia, tema com o qual candidato deve ter lidado uma centena de vezes nos últimos meses. Bonner deu a entender que exploraria a discrepância entre os posicionamentos liberais de Paulo Guedes e o notório viés protecionista de Bolsonaro, mas ficou só no ensaio.
Como era de se esperar, Jair Bolsonaro não teve nenhuma objeção em confrontar os jornalistas como se estivesse batendo boca em uma esquina qualquer. Muito pelo contrário, usou o quanto pôde de retóricas simplistas para vender suas concepções e não deixou de apelar para as bandeiras que o levaram a liderar as pesquisas. O destaque nesse sentido foi o tema “kit gay”, ensejado por uma pergunta sobre suas afirmações a respeito dos homossexuais.
Do ponto de vista de um candidato que encontrava pela frente um desafio capaz de fazê-lo patinar feio, Bolsonaro foi bem. Ainda que não tenha sido capaz de seduzir o eleitor moderado, certamente não teve o voto do seu eleitor fiel abalado.
A pergunta da noite que mais deve tê-lo incomodado aconteceu pouco depois, na Globonews, durante a curta sabatina sobre o seu plano de governo: o que fazer para diminuir um patamar de rejeição tão grande, quase o dobro do seu índice de intenção de voto?
— Eu não acredito em pesquisas — afirmou o candidato.
Pode ser, mas após ter sobrevivido ao Jornal Nacional, agora precisará enfrentar a dura realidade de um horário eleitoral pouco alvissareiro, em que todos os seus adversários terão tempo de sobra para atacá-lo e ele pouco para se defender.