Antes do início do segundo turno, quando até os céticos como eu já haviam entendido que Jair Bolsonaro seria eleito presidente da República, houve quem previsse o pior: tanques nas ruas, fechamento do Congresso e extinção do Supremo Tribunal Federal. O medo pela volta da ditadura era tão palpável que na virada do ano amigos chegaram a me desejar “feliz 1964”. Embora nada perto disso tenha acontecido — vale dizer, até esta data —, o governo se comprovou um pesadelo de proporções inéditas.
Não que o autoritarismo passe longe da atual administração. Ele está tão explícito nas palavras quanto nas atitudes. Se faz presente na promiscuidade entre Estado e religião para garantir um específico curral de votos, na defesa de pautas que agridem o meio ambiente, na desinibição com a qual o presidente favorece seus filhos, na postura obsequiosa do ministro da Justiça quando a Operação Lava Jato é esvaziada e no incentivo para que uma militância em absoluto estado de negação abafe quaisquer críticas ao governo.
Contudo o bolsonarismo não é feito somente de arroubos autoritários. É também inapto. Eis a realidade: para além dos vícios de ordem moral, a gestão Bolsonaro é acima de tudo ruim. A pior em décadas. Um descalabro capaz de reposicionar na história a imagem da Era Dilma Rousseff.
Pois, dados esses dez primeiros meses catastróficos, só há uma pessoa capaz de reanimar o governo e seu projeto de poder, dito conservador por muitos, ainda que não passe de populismo escancarado: Lula.
Constatada a incompetência da atual gestão no comando do país, o bolsonarismo se vê fadado a bater o bumbo da dicotomia ideológica. Uma ladainha movida a espantalhos como o da volta do PT e da corrupção associada à sua imagem.
Acontece que oposição, na prática, não há. Pelo contrário, a esquerda se mostra tão manquitola que acaba enfraquecendo o já surrado discurso bolsonarista. De resto, e isso até o maior fã do capitão precisa reconhecer, fica a dúvida se, mesmo em seus melhores dias, ela, a oposição, conseguiria provocar tantos estragos quanto o mito e seus comandados são capazes de infligir a si mesmos.
Luiz Inácio, entretanto, tem o poder de funcionar como uma bandeira vermelha tremulando diante do touro bravio. Não será capaz de tornar o governo competente, disposto ao diálogo e preocupado em combater a corrupção, todavia pode estimular sentimentos que, se bem manipulados, tendem a reforçar o antiesquerdismo e a narrativa do “pelo-menos-não-é-o-PT”.
O líder petista aposta nisso. É astuto. Se sua liberdade será usada do outro lado do balcão para estimular a militância pró-governo, o mesmo impulso, no sentido contrário, servirá para animar os seus correligionários.
O cenário favorece os extremos. Bolsonaro precisa de Lula como quem clama por oxigênio; Lula conta com a verve raivosa e o amadorismo do governo para reposicionar a sua tropa de olho em 2022. Esta é a má notícia.
A boa é que o desgaste em ambos os polos tende a aumentar. Resta saber se será suficiente para acordar a sociedade.