“Ninguém sai de sua pele”, costumava repetir o meu avô materno para justificar momentos de desconfiança, concluindo que cedo ou tarde todos cedemos à nossa natureza. Jamais questionei tal lógica, contudo poucas vezes ela se tornou tão verdadeira aos meus olhos quanto hoje, durante o encontro entre os presidentes Jair Bolsonaro e Donald Trump. Com uma diferença fundamental: não se tratou de um caso em que o sujeito acaba decepcionando ao revelar quem realmente é. Bem ao contrário, Bolsonaro surpreendeu. E assim foi, precisamente, por não ter abandonado o seu estilo.
Nem tudo foi perfeito durante a visita oficial, alguns hão de ponderar. E estarão certos.
Por exemplo, o jantar com a participação do dito filósofo Olavo de Carvalho e o ex-estrategista Steve Bannon — hoje persona non grata na Casa Branca — era dispensável. Aliás, tudo ali cheirou àquele Brasil quixotesco pintado pelo bolsonarismo durante as eleições. O pavor da China, guerras culturais, conspirações amalucadas e o protagonismo de uma gente alheia ao mundo real. Como se nada disso bastasse, Paulo Guedes ainda tentou se aproximar de Olavo de Carvalho.
“Mas uma aproximação dessas não seria saudável?”, alguém pode questionar. Depende. Para o Brasil, certamente não. Digo, se há uma pasta nesse governo que merece ser preservada, que vale a pena acompanhar de perto e nutrir esperança de que funcione, inclusive pela capacidade das pessoas envolvidas, é a economia. E a verdade é que a visão liberal de Paulo Guedes vai de encontro à agenda conservadora e messiânica de Olavo.
Trocando em miúdos, o gesto de Guedes é compreensível, mas extrapola em ingenuidade. Ao contrário do ministro da Economia, a ala ideológica do governo vive em um mundo que não tolera o pragmatismo.
Houve também o discurso do chanceler Ernesto Araújo na Câmara de Comércio americana, tachado como “constrangedor” e “bizarro” por algumas das pessoas presentes com as quais conversei. Aumenta a cada dia a tese de que a diplomacia brasileira adotará uma postura diferente da usual durante o mandato de Jair Bolsonaro. Um pouco mais descentralizada. Pois, se realmente for isso, será um erro.
O ponto é que existe um chanceler. E se ele não é bom o suficiente, se inclusive Eduardo Bolsonaro é quem na prática faz o serviço, é preferível que seja feita a troca. O que não pode é o chefe do Itamaraty passar vergonha, e, assim, arranhar também a imagem do país.
Tudo isso dito, me parece inegável: Bolsonaro tem um quê de Lula. Por vezes, demonstra inclusive ter um quê de Dilma. É tão populista e popular, avesso a salamaleques, quanto o maior líder petista. E consegue parecer tão destrambelhado na hora de se comunicar que, não raro, lembra Rousseff. Todavia, no dia de hoje essa maneira de ser foi vantajosa para o país.
Não há espaço para questionar o peso de um presidente americano ter repetidas vezes confirmado que apoiará a entrada do Brasil na OCDE. Não cabe olhar de soslaio para um pronunciamento que, além do já garantido status de aliado especial fora da Organização do Tratado do Atlântico Norte, acena com a efetiva entrada do Brasil na OTAN. Não vale torcer o nariz para a colaboração com o FBI, assim como seria tolo desdenhar do acordo de salvaguardas tecnológicas e o uso da Base de Alcântara.
Dentre tantas facetas, Donald Trump é reconhecido por ser um ególatra. São notórios os momentos em que, no meio de líderes de outras potências, encontrou um jeito de sobressair, às vezes até de maneira pouco educada.
Hoje, teve pela frente um líder disposto a alimentar esse ego. E não de uma maneira falsa. O culto ao trumpismo é genuíno nesse caldo pseudo-direitista e conservador que vem se consolidando aqui, mesmo antes do último pleito. Assim, como diriam os mais jovens afeitos aos aplicativos usados para encontrar almas gêmeas, “deu match”. E foi bom para o Brasil.
Arrisco-me a dizer que hoje foi o primeiro grande momento do governo Jair Bolsonaro desde a posse. A dúvida é saber até quando a atual gestão será capaz de aproveitá-lo. De todo modo, pelo menos por agora, enquanto termino este texto, ele é inegável.
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