Foto: Mauro Pimentel/AFP| Foto:

Começo dizendo que, embora nascido em Botafogo, sou tijucano de criação. Isso significa dizer que durante boa parte da minha existência testemunhei, de perto, não apenas as tempestades típicas de verão que há gerações assolam o Rio de Janeiro como toda sorte de tragédias por elas provocadas.

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Tanto no Morro da Formiga quanto no do Borel, cercanias que ao longo da adolescência me habituei a frequentar para soltar pipa e jogar bola — tempos depois relacionadas à feira ou ao supermercado —, os resultados dramáticos se repetiam. Dar de cara com famílias inteiras largadas na rua após o aguaceiro era comum.

Mesmo no Sumaré — montanha que em grande medida divide as zonas Norte e Sul da cidade, estabelecendo uma intersecção entre Tijuca, Laranjeiras, Cosme Velho, Jardim Botânico, Alto da Boa Vista e Floresta da Tijuca —, vi com meus próprios olhos nesgas enormes de terra escorrendo costa abaixo.

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A diferença daqueles tempos para cá se resume às sirenes que deram o ar da graça a partir do verão de 2011. Sirenes essas que, a exemplo da tragédia em Brumadinho, não parecem ser de muita serventia quando de fato funcionam (ontem, nas comunidades aqui citadas, não se fizeram ouvir).

Afinal, que mensagem o soar do alarme pretende passar quando o sujeito mora em uma favela, empoleirado em um barraco sem qualquer segurança? “Deixe a sua casa agora mesmo ou será tarde demais!”, “A sua moradia está com os minutos contados, bem como todos os seus pertences, mas ainda dá tempo de salvar a própria vida!”?

No fim das contas, as sirenes funcionam mais como trombetas do apocalipse para os desafortunados que, além de entregues aos tiroteios e às milícias, moram em áreas de risco.

Ou como mero paliativo que, como tal, em pleno fevereiro de 2019 é insuficiente para mudar a realidade de outrora: a chuva cai, as favelas que não param de crescer ilegal e desordenadamente sofrem; moradias desaparecem; isso para não falar das vidas que são ceifadas.

E não é só. A estes, os desgraçados, e na verdade à toda a sociedade, cabe também o pouco caso dos governantes.

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Não por acaso o recém-eleito governador Wilson Witzel se apressou em culpar as prefeituras pela tragédia e o prefeito Marcelo Crivella somente tratou de pedir para que os cidadãos em áreas de risco procurassem abrigos.

Tampouco é de surpreender que, enquanto árvores, carros, ônibus e pessoas eram arrastados, os Bolsonaro não tenham sequer tecido um comentário a respeito. Logo eles, tão habituados a usar as redes sociais para se comunicar, não se dignaram nem mesmo a redigir um afago ou uma mensagem de revolta.

Claro que durante o exato instante do cataclisma, a imprensa, o PT, o PSOL e quetais não foram esquecidos. Afinal, a obsessão eleitoreira não pode parar. A flauta precisa continuar tocando para manter o estado de catarse e empanar a incapacidade dessa família em atuar de acordo com os anseios da população. Mesmo tendo construído toda a sua carreira política aqui, no Rio de Janeiro.

Quem sabe um dia a gente aprende. Até lá, que toquem as sirenes.