Assim como acontecia quando o PT esteve no poder, acompanhar o atual governo e dissertar sobre ele não é nada prazeroso. Mesmo sendo uma tarefa simples. Não traz satisfação porque os imbróglios são constantes e seus desenlaces incompatíveis com o que se espera de líderes escolhidos para administrar o País. É pouco desafiador por copiar justamente o padrão populista-autoritário inaugurado por Lula e corroborado depois por Dilma Rousseff.
Os recentes episódios que culminaram no desconvite à Ilona Szabó para compor o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) e na exoneração do diplomata Paulo Roberto Almeida do cargo de presidente do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI) vão ao encontro dessa constatação.
Pior, conversam com práticas análogas, ambas protagonizadas durante os mandatos petistas e prenhes do zeitgeist vigente: a ditadura do pensamento único.
“Hábito de bebericar do presidente vira preocupação nacional”. Idos de 2004, o jornalista Larry Rohter, então correspondente do New York Times na América do Sul, não se fez de rogado logo no título do seu artigo. Pelo contrário, jogou luz sobre a sabida preferência de Luiz Inácio por drinques e quetais. A Secretaria de Imprensa da Presidência surgiu com uma crítica que parece não envelhecer jamais, independente de qual seja o viés ideológico do governo: “o texto não é jornalístico”. E Lula detestou tanto o comentário que ordenou a expulsão de Rohter do Brasil.
A situação acabou sendo contornada por um constrangido Márcio Thomaz Bastos, mas o esgarço autoritário ficou marcado.
Adiantemos a fita. Em 2014 o PT continuava dando as cartas, mas já estávamos sob a batuta de Dilma Rousseff, que em poucos meses tentaria a reeleição. Por sua vez, Sinara Polycarpo era superintendente de investimentos do Banco Santander e não mediu palavras na hora de apresentar aos clientes do banco o cenário que se desenhava: “A economia brasileira continua apresentando baixo crescimento, inflação alta e déficit em conta-corrente. A quebra de confiança e o pessimismo crescente em relação ao Brasil em derrubar ainda mais a popularidade da presidente, que vem caindo nas últimas pesquisas, e que tem contribuído para a subida do Ibovespa”. O texto ainda falava sobre a queda da Bolsa, a desvalorização do câmbio e a subida dos juros, caso a candidata recuperasse o fôlego.
Dilma não ficou feliz e tachou o texto de “inadmissível”. Lula concordou e sugeriu a demissão da analista. O Santander aquiesceu.
Insisto, os casos citados não são idênticos àqueles envolvendo Szabó e Almeida, mas, sim, são análogos. Explicitam a mesmíssima disposição para a censura, a intimidação e o desassossego de quem se atreve a questionar o status quo. Posicionamento esse fundamental para a ordem democrática.
Durante a última eleição, a esquerda não cansou de alardear o risco que a nossa democracia correria se Jair Bolsonaro fosse eleito. Confesso, eu ri. E ri da mesma forma em relação ao alarido provocado pelos bolsonaristas a respeito de um Brasil “bolivariano”. Ri antes e rio agora, porque não vejo possibilidade de algo do gênero no nosso horizonte.
Contudo, admito a minha falha: o fato de o Brasil não ser mais um país institucionalmente tão frágil a ponto de virar uma ditadura — seja desta ou daquela vertente ideológica — deveria ser insuficiente para me tranquilizar. No fim das contas, e aqui amplio a crítica, deveríamos todos ficar bem atentos para esses faniquitos, típicos de quem não pensa duas vezes antes de atropelar valores básicos quando esses atravessam o seu caminho.