Ignorância ou pânico? Torcida ou ceticismo? Talvez um pouco de cada. Seja como for, a tese que se debruça sobre as coincidências entre Jair Bolsonaro e Donald Trump para vaticinar o sucesso do candidato do PSL nas eleições já está consolidada. De fato, a semelhança entre a retórica utilizada pelo postulante brasileiro e a do mandatário topetudo é inegável. Contudo, isso é pouco para justificar o frio na espinha. Ou para comemorar.
Um dos equívocos mais comuns nesses argumentos diz respeito ao fato de que Trump abusou das declarações polêmicas durante a campanha, foi massacrado na imprensa por esse motivo e ainda conseguiu se eleger. A narrativa deste lado do continente apregoa que o mesmo roteiro se repete aqui: a crítica ferrenha em cima de Bolsonaro só faz aumentar as suas chances de vitória; o melhor que a imprensa poderia fazer seria ficar quieta. Além disso, está mais do que na hora de enfrentar essa ditadura do politicamente correto.
O paralelo até que faz sentido, mas só porque negligencia algumas diferenças.
Antes de mais nada, Trump ganhou as eleições graças ao colégio eleitoral, mas perdeu no voto popular, que é como funciona o sistema brasileiro. Aliás, não apenas perdeu, mas foi derrotado pela maior diferença na história das eleições americanas: 2,9 milhões de votos.
Ademais, existe uma distinção fundamental entre o processo eleitoral americano e o nosso: lá, ao contrário daqui, o voto não é obrigatório. Enquanto os votantes podem escolher se vão ou não às urnas — diga-se, em um pleito que ocorre em dia útil (a terça-feira depois da primeira segunda-feira de novembro) —, nós somos obrigados a fazê-lo. E ainda que a multa para aqueles que não compareçam seja pequena, na prática somos constrangidos a participar da “festa da democracia”. Com direito, inclusive, a campanhas que propositadamente embaralham termos como “direito” e “dever”.
Tudo isso para dizer que, em comparação com a realidade ianque, há uma sensível diferença no peso da rejeição a um candidato nas eleições brasileiras. Só aqui o repúdio ao candidato ‘x’ com toda a sorte levará o eleitor a escolher um concorrente. Basta constatar o quanto a cultura do voto útil está entranhada na nossa sociedade ou observar a reação das pessoas quando alguém diz que pensa em anular o voto.
Afora essas diferenças entre panoramas dos dois países, há outra diferença que também não pode ser deixada de lado quando analisamos a tentativa de comparar Bolsonaro a Trump. Muitos argumentam que a antipatia pela globalização está em voga, e não só pela globalização, mas também pelo establishment. E que Jair, assim como Donald à época do pleito que o levou à Casa Branca, representa esses sentimentos.
Bem, que Bolsonaro é protecionista até a medula, assim como Trump, ninguém sensato discute. Basta ver os seus posicionamentos e declarações ao longo do tempo. Não é à toa que, repetindo as suas próprias palavras, “trabalhou pela eleição de Ciro Gomes” antes de votar em Lula contra José Serra. Se existe uma interseção entre a esquerda ideológica e os militares é mesmo um nacionalismo capaz de envenenar a economia.
Agora, convenhamos, é um tanto forçada essa tentativa de colocar na mesma prateleira um sujeito que há trinta anos milita na política, e já passou por oito partidos, ao lado de um legítimo outsider como Trump — e eu, que fique registrado, estou longe de ser um fã do atual presidente americano.
Não, Bolsonaro não é Trump, mas, se pensarmos que há pouco tivemos pessoas bradando em plena Avenida Paulista contra a “Dilma americana”, em alusão à democrata Hillary Clinton, talvez valha o esforço de vestir essa carapuça. Pregar para convertidos, afinal, não pode fazer mal.
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