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O fio que conduz o cenário destas eleições, assim como das últimas, não é difícil de ser seguido. Começa pela nossa incapacidade de desenvolver um sentimento maduro em relação à própria cidadania. Das guimbas que granulam nossas calçadas à obrigatoriedade de votar em alguém — ou então, dizem, não vale reclamar depois — é um pulo. A partir daí, essa sensação de não pertencimento impõe uma lógica perversa: se somos instados a votar, como crianças levando colheradas de xarope amargo goela abaixo, que seja no menos pior. Que seja útil.

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Como carioca, sei bem do que estou falando. Levei décadas até decidir me abster de uma ciranda contrária aos meus interesses como cidadão. E mesmo assim foi preciso encarar um embate entre Crivella e Freixo, há pouco mais de dois anos, para perceber o que hoje entendo como óbvio.

Entretanto, uma nesga do debate acerca da disputa que polariza essa eleição presidencial avança com folga sobre o prejuízo oferecido pelo voto útil. E deixa ainda mais evidente o estado de aparvalhamento generalizado que tomou de assalto as reservas de bom senso que ainda tínhamos. Falo aqui, é claro, sobre as réplicas e tréplicas de quem representa uma maior ameaça à democracia:  Jair Bolsonaro ou Fernando Haddad.

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Em outras palavras, trata-se de normalizar a escolha por um governo autoritário. Melhor dizendo, a falta de uma.

Existem aqueles que juram enxergar uma incapacidade por parte do Partido dos Trabalhadores em ofender a democracia. Argumentam esses que, enquanto esteve no poder, o PT jamais demonstrou impulsos autoritários. E que, portanto, isso basta para eximir o partido de tal suspeita. De fato, bastaria, se fosse verdade.

Mesmo enquanto ainda almejava dar as cartas, a legenda comandada por Lula jamais tergiversou na hora de cortar caminhos para viabilizar o seu projeto hegemônico. Para começar, pedindo o impeachment de todos os presidentes eleitos até 2002. E aqui vale fazer uma ressalva: Haddad costuma repetir que as manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff começaram logo após as eleições. E tem razão. Só faltou reconhecer que o mesmo se deu, e não por parte da massa, mas do partido, em relação a Fernando Henrique Cardoso.

Por falar em reconhecer, eis outra comprovação clara do descompromisso petista para com as regras: jamais assumem qualquer responsabilidade. Qualquer uma. Corrompem o sistema, aparelham o Estado e o Judiciário em causa própria — todos esses exemplos inquestionáveis de viés autoritário —, mas em momento algum fazem uma autocrítica.

Para encerrar, as seguidas ameaças à mídia, seja falando em regulação, seja ameaçando jornalistas diretamente, é um sintoma clássico de quem não está nem aí para os escrúpulos.

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Quanto a Bolsonaro, trata-se de um caso mais escancarado. Além de ser notoriamente menos simpático ao zeitgeist vigente no país, incluíndo aí os formadores de opinião, grande parte da classe jornalística, historicamente mais inclinada à esquerda, além dos ditos intelectuais.

Ressalvas feitas, é espantoso, para não dizer irônico, que tenha sido pinçado pela mesma parcela da população antipática ao PT para derrotá-lo, uma vez que ambos são tão parecidos. Segue a mesma lógica do veneno e do antídoto.

Sim, Jair Baolsonaro representa uma ameaça à nossa democracia. Seus discursos, antecipando o desaparecimento das minorias, uma vez que o seu governo privilegiará o grosso da sociedade, deveria apavorar a todos nós. Inclusive, e talvez principalmente, os chamados cidadãos de bem.

Ao contrário do que muitos dos seus seguidores supõem, as críticas pela torpeza do seu candidato não têm ligação alguma com o politicamente correto. E não estou me referindo a piadas fora do tom. Por mais de uma vez, Bolsonaro e a constelação de revoltosos que ele representa deixaram claro o desapreço por premissas inquestionáveis em uma democracia plena. E também não estou falando aqui da óbvia promiscuidade que se dará, caso seja eleito, entre as Forças Armadas e o Executivo, algo simplesmente impensável em realidades não distópicas.

A impressão é de que, no fundo, as pessoas começaram a buscar motivos para explicar, se não aos parentes e amigos, a si mesmas, o porquê de terem optado por Fernando Haddad e Jair Bolsonaro.

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A essas, se me fosse pedido um conselho, eu diria que não perdessem seu tempo. Não há argumento plausível para o futuro que se avizinha.