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Mario Vitor Rodrigues

Mario Vitor Rodrigues

Debate sobre mérito no acordo com UE expõe rejeição ao governo Bolsonaro

Foto: Foto: Alan Santos/PR (Foto: )

Não foi como conquistar o apoio formal americano à entrada do Brasil na OCDE — aquele sim, como cheguei a escrever neste espaço, um autêntico gol do governo Jair Bolsonaro. Talvez algo mais próximo da postura adotada pelo primeiro mandato do governo Lula, que manteve e até aperfeiçoou a política econômica de Fernando Henrique Cardoso. Contudo, um movimento ficou claro desde o anúncio do fechamento do acordo entre a União Europeia e o Mercosul: a dificuldade generalizada de conceder a Jair Bolsonaro e seu chanceler, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, mérito pela sua assinatura.

Motivos não faltam para ponderar a importância da atual gestão federal no fechamento do tratado com os europeus. A começar pelo fato de que ele vinha sendo costurado há duas décadas. De Luiz Felipe Lampreia aos Celsos Lafer e Amorim; de Antonio Patriota a Luiz Alberto Figueiredo; de José Serra a Aloysio Nunes, a lista de chanceleres que antecederam Ernesto Araújo a partir do momento em que o acordo começou a nascer é extensa.

Além disso, existe uma condição própria na diplomacia, pelo menos desde a Nova República, que foi decisiva para o bom andamento das conversas durante tanto tempo: uma espécie de impermeabilidade às retóricas dos governos. Ou seja, no que diz respeito à maneira de fazer as coisas, há um processo. Um trilho seguido por profissionais de carreira que funciona como norte em questões como o fechamento de acordos internacionais.

Algo que se tornou ainda mais evidente agora, com o sucesso de uma negociação para todos os efeitos avessa ao discurso do chanceler Ernesto Araújo — crítico contumaz de um dito globalismo e da própria União Europeia.

Por fim, a conjuntura internacional também engrossa o argumento de que o governo Bolsonaro bateu um pênalti sem goleiro. É curioso constatar, mas, indiretamente, o Brasil pôde contar com a colaboração de Donald Trump: sua disposição para embates comerciais e o viés protecionista — rejeição ao TTP, no caso dos europeus o TTIP, e o duelo tarifário com a China não deixam dúvidas a esse respeito — aceleraram a finalização do acordo.

É sintomático, mas justo aquele que talvez seja o principal argumento genuíno a favor do governo para o sucesso das negociações, a incorporação do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) pela Fazenda, venha de quem desde o início rema no sentido contrário ao da dialética bolsonarista: Paulo Guedes.

O enxugamento dos ministérios e a super-fusão de pastas que deu origem ao Ministério da Economia, se olhados em retrospectiva, tiveram papel crucial no acerto com a União Europeia. Se antes o MDIC era suscetível a pressões por parte da Indústria brasileira, sob a batuta de Guedes o direcionamento mudou drasticamente para uma agenda pró-comércio.

Há quem possa se agarrar ao argumento de que o governo surpreendeu. Afinal, os discursos até aqui, as inúmeras patinadas e declarações capazes de gerar uma antipatia internacional inédita em se tratando de Brasil, não deixavam espaço para capitulações como a assinatura de um acordo que impõe respeito ao Tratado de Paris e ao meio ambiente.

Igualmente, há quem possa defender a tese de que o chanceler teria totais condições de minar as nossas capacidades diplomáticas, atrapalhando assim o aperto de mãos final.

Confesso, não sei dizer se são bons argumentos. É possível enxergar mérito em um procedimento quando ele tão somente seguiu uma linha lógica?

Talvez seja isso. Para além dos corpos diplomáticos que ao longo de décadas se empenharam pela construção do acordo; a determinação do ministro Paulo Guedes e sua equipe em abrir uma das economias mais fechadas do mundo como a brasileira, o aperto de mãos final não deixa de causar uma certa estupefação.

Eis, enfim, um feito incontestável do governo Jair Bolsonaro nesse tão esperado acerto: após ter semeado com notável competência um patamar de rejeição inédito em seis meses de primeiro mandato, levar as pessoas a questionar o seu mérito em um momento tão importante. Ou, na melhor da hipóteses, a se surpreender quando não atrapalha.

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