Bons amigos suspiram aliviados por mim. Dizem que sou um sortudo pela distância que agora me separa do Brasil. Entendo a premissa, mas ela não se aplica na prática. A realidade em países do chamado primeiro mundo sem dúvida é outra. Principalmente no quesito segurança. Contudo, por melhores que sejam os serviços e variados os programas culturais, nunca é uma opção ignorar o que acontece na nossa casa. A lonjura acaba inclusive aprofundando a aflição.
O governo brasileiro impõe uma miríade de preocupações. Acima de tudo, percebe-se um amadorismo no campo político — algo que o próprio presidente já reconhece. Tal despreparo fez da demonização do Congresso o esconderijo perfeito. A Casa do Povo seria responsável pela demora na aprovação de suas pautas e por suas derrotas, embora ambas sejam comuns ao sistema democrático.
A atual gestão federal também alimenta o mesmo discurso que pavimentou a recente perpetuação de um projeto político-ideológico no poder — responsável não só por idolatrias e o divisionismo, mas igualmente pela permissividade que ensejou abusos na máquina pública, dando origem ao maior escândalo de corrupção em nossa história.
Fazendo uma análise quiçá açodada, porém nem tão estapafúrdia assim, a gestão Jair Bolsonaro acena desde já como favorita ao posto de pior desde a reabertura democrática. Não se trata apenas de conteúdo, mas de forma.
Extrapola a constatação de que o ministro da Educação, Abraham Weintraub, a exemplo de seu antecessor, Ricardo Vélez Rodríguez, não reúne condições mínimas para comandar uma pasta tão importante. Há ainda um perene cenho franzido e uma incompreensível agressividade ao se posicionar. Esta pôde ser constatada nas últimas horas, diga-se, quando ele veio a público defender a sua posição de não ter cedido o lugar em voo até Brasília para que uma família viajasse junto.
De igual modo, não basta render-se ao fato de que Ernesto Araújo promove um descalabro institucional de proporções jamais pensadas no Itamaraty — tão cristalino que, das duas uma, ou bem o sujeito comunga das birutices alardeadas pelo chanceler por razões políticas, ou as defende por interesses que só o tempo será capaz de revelar. Araújo consegue desempenhar nosso desmonte diplomático com a galhardia de um viking malvisto em seu clã pela falta de jeito. É esse o ponto. É a forma. Não só o conteúdo.
Desgraçadamente, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, dispensa qualquer comentário. Regra essa que também poderia ser aplicada ao próprio Jair Bolsonaro, não fosse o peso do cargo que hoje ocupa.
O presidente é uma catástrofe sob todos os aspectos: desdenha dos mecanismos democráticos, incentiva desavenças e destitui comandados por meio da imprensa, além de defender posicionamentos moralmente inaceitáveis. Para não fugir do tema, avacalha a imagem do Brasil com a sua rudeza. Inclusive na hora de executar tarefas simples, como a leitura de um mero discurso.
Escrevo estas linhas e por um momento me questiono: como podemos ser o mesmo povo que elegeu alguém do naipe de Fernando Henrique Cardoso para presidente? Digo, para além das condições políticas apresentadas naquele momento, incluindo a importância do Plano Real, como foi possível optarmos por alguém tão avesso à nossa verdadeira natureza, dada a estirpe de líderes escolhidos depois?
De Fernando Henrique fomos para Lula, deste para Dilma Rousseff, e então Jair Bolsonaro. A seguir esse ritmo, o futuro me amedronta, mas antes cabe lamentar o presente. Como se vê a inaptidão não basta. Nosso vexame precisa ser completo.