Ventava frio na manhã daquele 1° de maio. Lembro-me bem porque eu havia desembarcado há poucas horas na cidade e, um tanto grogue por conta do voo, aguardava pela minha anfitriã em frente a um pequeno prédio na região da Union Square. A moça, uma jovem russa recém-formada em artes plásticas, chegou de bicicleta. Abriu a porta do prédio em meio a um breve pedido de desculpas e logo estávamos subindo as escadas com as minhas malas e a sua magrela. Então, ali entre o segundo e o terceiro andares, num instante daqueles para tomar fôlego, ela decidiu puxar papo:
— De onde você é, Mario?
— Brasil.
— Oh… Aquele Bolsonaro, hein?
Desde pequeno, na carona dos meus velhos; nos últimos anos mais a trabalho, vivi um bocado no exterior. Pelas experiências que tive, posso garantir que ser brasileiro nunca foi motivo para desconforto. Bem ao contrário, noves fora estereótipos como o futebol, a exuberância das praias e o carnaval, sempre povoamos o imaginário estrangeiro de maneira positiva. Não raro, ao ouvir “Brasil” o rosto da pessoa se iluminava. Havia um quê de inveja camarada no tom do sujeito interessado em saber mais a nosso respeito ou em demonstrar intimidade com a nossa cultura. Havia.
A manchete do jornal francês Le Monde neste último sábado (24) foi sintomática: “Amazônia: indignação mundial contra Bolsonaro”. O italiano La Repubblica foi mais direto: “O mundo contra Bolsonaro”. Ambas ilustradas por fotos enormes de labaredas engolindo a floresta.
Tenho as minhas dúvidas se a reação seria tão forte, caso o governo ao menos flertasse com o bom senso. Minimizar a questão, alegando que neste período do ano o aumento de incêndios florestais é comum, não colaria. Até a NASA já se manifestou a esse respeito, afirmando que a localização dos focos está mais ligada ao desmatamento do que à seca — acrescente-se a este dado os números do Inpe, portanto oficiais, indicando que o fogo já começa a atingir áreas protegidas.
Talvez não tivéssemos chefes de Estado como Emmanuel Macron puxando a nossa orelha. Tampouco estaríamos na berlinda, com manchetes mundo afora explicitando a nossa incompetência para cuidar do próprio quintal, e correndo o risco de sofrer boicotes aos nossos produtos.
Acontece que o atual governo não é um governo qualquer. Muito menos o presidente.
Na sexta-feira (23), Jair Bolsonaro veio a público queixar-se que Macron teria usado uma imagem antiga para se referir aos incêndios, mas dias antes ele mesmo lançou mão de uma foto tirada nas Ilhas Faroe para acusar a Noruega de matar baleias. Lamentou a declaração do francês de que ele tivesse mentido, mas um de seus filhos, justo o postulante a embaixador, ajudou a difundir um vídeo em que Macron era chamado de idiota.
Bolsonaro afirmou no dia 16 de agosto que o Brasil está sem dinheiro, mas isso não o impediu de desdenhar dos milhões doados pelos governos norueguês e alemão para o Fundo Amazônia. Nem de sugerir, sem qualquer prova, que ONGs poderiam estar por trás dos incêndios.
Não bastasse a habilidade do mandatário em dar declarações incabíveis para alguém que comanda uma nação tão representativa e populosa como a brasileira, ainda temos um chanceler como Ernesto Araújo, capaz de negar publicamente as mudanças climáticas, e um ministro como Ricardo Salles (Partido Novo), não apenas negacionista do aquecimento global, mas perspicaz a ponto de dizer, em plena crise, que a saída para a Amazônia seria legalizar os garimpos ilegais e “monetizar”.
E não se trata apenas de retórica. O governo Jair Bolsonaro adotou medidas que enfraqueceram de maneira concreta as nossas políticas ambientais, como o corte de R$ 187 milhões do Ministério do Meio Ambiente, o corte de 38% do orçamento do IBAMA para prevenção e controle de incêndios florestais, a diminuição em 23% nas multas do IBAMA por crimes contra a flora e a transferência do Serviço Florestal Brasileiro da pasta do Meio Ambiente para a da Agricultura.
O histórico de declarações do deputado Jair Bolsonaro foi suficiente para deixar as grandes democracias alarmadas em relação ao Brasil. Já a postura do presidente — e de sua equipe empenhada em alimentar guerras culturais — só fez consolidar um processo de rejeição internacional.
O tom do nosso mitológico líder durante a declaração feita ontem em cadeia nacional foi sintomático. O governo sentiu a bronca. Todavia não me iludo. O momento é propício para o bolsonarismo, uma vez que alimenta o discurso da dicotomia e ainda por cima o da soberania nacional.
Bom para quem aposta no atraso civilizatório. Pior para uma nação que já foi tão querida.
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