Demonstrações de simpatia por ditadores, vídeo escatológico, endosso velado a ofensas direcionadas à primeira-dama de um país amigo, rudeza no trato com nações aliadas e retórica anticiência quando se trata de meio ambiente. Desde o início do ano, a lista de eventos responsáveis pelo estabelecimento de um clima avesso ao Brasil na Assembleia Geral da ONU é tão extensa quanto autoexplicativa. Isso tudo sem falar no histórico de declarações controversas do deputado antes que ele se tornasse presidente. Pois chegou a hora de colher os frutos.
Talvez o único ponto que possa ser explorado com franqueza por Jair Bolsonaro em seu discurso — no sentido de demonstrar que do outro lado da cerca também pode haver descuido com as palavras — esteja ligado às alusões feitas na Europa por uma internacionalização da Amazônia. Corre-se o risco de cair na vala rasa do ufanismo, não resta dúvida, mas o princípio é honesto: faniquitos colonialistas são incabíveis em pleno ano da graça de 2019.
O espaço para manobrar, contudo, é na melhor das hipóteses apertado. É verdade, as queimadas se deram em uma época do ano propícia para que acontecessem, mas os números não mentem: principalmente em áreas próximas às rodovias, elas aumentaram.
Ponderar que o país está quebrado para agitar a bandeira das reformas econômicas faz todo o sentido, mas a conta não fecha quando ao mesmo tempo opta-se por recusar um importante apoio financeiro para um fundo destinado a combater incêndios e preservar a natureza.
Deixando de lado a seara ecológica, não parece ser tarefa fácil denunciar as ditaduras em Cuba e na Venezuela quando, por outro lado, facínoras do naipe de um Augusto Pinochet ou de um Alfredo Stroessener são enaltecidos.
Ainda que não seja por meio de um princípio de processo de amadurecimento, a demonstração de capacidade para reconhecer equívocos, Jair Bolsonaro deveria demonstrar uma nova atitude. Pelo menos em nome dos interesses econômicos. Assim, quem sabe, os discursos que começam a surgir sobre boicotes aos nossos produtos seriam abafados.
No fim das contas, mudar a opinião que a comunidade mundial tem hoje de nós não será simples. Acima de tudo porque precisa existir interesse do próprio governo brasileiro. Não parece ser o caso, dadas as recentes manifestações do presidente e de ministros como Ernesto Araújo, Ricardo Salles e Paulo Guedes. Tratando-se do primeiro discurso para o grande público e levando-se em conta a atenção que já recebe, porém, Jair Bolsonaro não teria melhor oportunidade para iniciar esse processo.
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