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Marina vence, Bolsonaro vacila e Alckmin patina

Foto: Nelson Almeida/AFP (Foto: )

Quando se trata de Brasil, pouco importa a gravidade de uma crise econômica, a falta de saneamento, de segurança ou o descalabro na educação: fica muito difícil não levar um debate presidencial na galhofa. E não se trata apenas de uma consequência natural pela capacidade que temos de rir de nós mesmos. É comum o ambiente estimular toda sorte de piadas e risos envergonhados. Contudo, o roteiro foi outro no debate da RedeTV.

Claro que Cabo Daciolo esteve lá, representando com altivez a linhagem de postes e tiriricas habitué nesses eventos. A sua caricatura bizarra, porém — e digo bizarra não por qualquer aspecto estético ou religioso e sim por sua absoluta inaptidão para debater em alto nível os desafios nacionais, sem falar na perda de tempo e de recursos —, acabou diluída graças a um formato que seguiu o dos debates norte-americanos, nos quais o confronto entre os postulantes é privilegiado.

Confronto. Eis uma boa palavra para definir evento de ontem.

Antes, porém, uma ressalva: não vai aqui nenhum tipo de ilação a respeito de uma guinada fundamental no futuro da eleição por conta desses fatos. Não é o caso. Por motivos óbvios, o debate da Rede Globo continua tendo maior capacidade de influenciar o eleitorado. Contudo, a campanha já começou e estamos falando do segundo encontro entre os candidatos. A importância aumenta. Principalmente se considerarmos a vocação das redes sociais em prolongar os seus efeitos.

Pois bem, eu afirmava que o confronto foi a palavra-chave do debate. No caso de alguns, a ausência dele. Sim, falo de Geraldo Alckmin.

É importante ressaltar que todo o discurso em torno da falta de carisma do representante tucano não é por acaso. Não seria mesmo à toa que alguém ganharia a alcunha de “picolé de chuchu”. Dito isso, não faz muito sentido cobrar de Alckmin uma postura incompatível com sua natureza. Acho, inclusive, que provocaria um efeito contrário àquele desejado por seus críticos. Seria como exigir capacidade de diálogo a Guilherme Boulos ou ponderação a Ciro Gomes. Em bom português, não rola. Periga o sujeito, de tão forçado, afastar até mesmo o seu eleitor mais fiel.

Essa ressalva, entretanto, não exime o tucano de culpa pelo fato de não ter desafiado Jair Bolsonaro. O candidato do PSL amealhou uma importante fatia dos votos historicamente atrelados  ao PSDB. Não há possibilidade nenhuma de Alckmin disputar o segundo turno sem passar por Bolsonaro. Só pode haver um.

Ainda assim, Geraldo não deu as caras. Fugiu do embate. Fugiu ou se esquivou, o que, convenhamos, não muda em nada o resultado final da equação: ou o eleitor avesso à esquerda percebe em Alckmin — mais do que a já reconhecida capacidade administrativa e experiência política — uma postura decisiva, de quem deseja presidir o País e está disposto a brigar por isso, ou não verá motivos para mudar a sua intenção de voto, hoje pró-Bolsonaro.

Sem embargo, não foi uma noite apenas marcada por refugos. E aí, não resta dúvida, brilhou a presença de espírito de Marina Silva.

Assim como o ex-governador de São Paulo, a imagem de Marina não é precisamente atrelada à de uma pessoa ávida por embates. E talvez por isso tenha causado tanto efeito o seu posicionamento firme em relação a Jair Bolsonaro.

A programação já estava no final, mais precisamente no final do penúltimo bloco. Bolsonaro, após consultar a palma da mão rabiscada com as palavras ‘pesquisa’, ’armas’ e ‘Lula’, perguntou a sua adversária sobre armamento. Marina respondeu ser contrária e logo emendou no tema da equiparação salarial entre homens e mulheres.

A partir daí, o que se viu foi uma candidata até certo ponto nervosa, mas, acima de tudo, firme. Incisiva. Cobrando de Jair o seu já conhecido discurso de que não cabe ao Presidente se envolver nessa questão.

Diante da réplica, Bolsonaro não se fez de rogado, afirmou que sua desafiante “não sabia o que era ter um filho jogado no mundo das drogas” e se disse favorável à castração química de estupradores.

E então a líder da Rede jogou a pá de cal:

— “Você acha que pode resolver tudo no grito, na violência… Nós somos mães… Nós educamos os nossos filhos… A coisa que uma mãe mais quer é ver um filho ser educado para ser um cidadão de bem, e você fica ensinando para o nosso jovem que tem que resolver as coisas na base do grito, Bolsonaro? Você é um deputado, você é pai de família. Você, um dia desses, pegou a mãozinha de uma criança e ensinou como é que se faz para atirar. Você sabe o que a Bíblia diz sobre ensinar uma criança? ‘Ensina a criança no caminho em que deve andar. E até quando for grande, não se desviará do caminho’. É esse o ensinamento que você quer dar ao povo brasileiro?”

Mais do que árduo, o caminho de Marina Silva para o segundo turno é improvável. Faltam apoios. Falta palanque. Não falta, porém, um discurso límpido, compreensível e mais sedutor, ainda que isso não seja muito complicado, em comparação com o do seu rival tucano.

Ontem, além de tudo isso, não faltou coragem para estufar o peito e encarar um oponente tão avesso à sua própria pessoa.

O jogo é jogado e, insisto, esse último encontro entre os presidenciáveis não deve ser tratado como um elixir da vida ou uma estaca no coração dessa ou daquela candidatura. Sua fotografia, contudo, permite a Marina uma pequena celebração, coloca uma pulga atrás da orelha de Bolsonaro e provoca calafrios na equipe de Geraldo Alckmin. Ou, pelo menos, deveria provocar.

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