Ouça este conteúdo
Segundo o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), Bolsonaro é o único a perder se houver tumulto durante as manifestações convocadas para a próxima terça-feira. Lira não poderia estar mais equivocado: para além de Jair só ter a ganhar, tampouco será o único.
Vale salientar, entretanto, que, em comparação ao embalo que o levou à vitória há três anos, a vantagem que Bolsonaro pode vir a ter com ações amalucadas no aniversário da independência será marginal. Decisivo em 2018, o discurso nacionalista que envelopou o antipetismo, a repulsa pela corrupção e uma ânsia popular por renovação na política perdeu o viço. Convenhamos, não teria mesmo como aplacar o desemprego, a inflação, os casos de corrupção envolvendo compra de vacinas, as rachadinhas, mais de meio milhão de mortes e o desmonte da Lava Jato.
O ponto é que Bolsonaro já não tem muito a perder diante do absoluto descalabro em que seu governo se transformou — um desastre tanto ético quanto gerencial, para além das bandeiras que ele próprio alardeou durante a campanha e acabou traindo quando assumiu o poder. Além disso, apostar no caos e esticar a corda no confronto com os demais Poderes só desagrada a eleitores que já estão fora do seu alcance.
Se o séquito de fãs alucinados não é suficiente para garantir a reeleição, o capitão tem contado com apoiadores inesperados. Refiro-me àqueles que, mesmo após três anos, ainda não se acostumaram com as táticas de Jair, a mais usual de todas causar impacto para provocar cortina de fumaça.
Na última quinta-feira, ao rebater o presidente do STF, ministro Luiz Fux, o qual havia dito que os atos precisam ser pacíficos, Bolsonaro disse: “O Brasil está em paz. Falta uma ou outra autoridade ter a humildade de reconhecer que extrapolou. Ninguém precisa temer o 7 de Setembro.” E o que fez logo no dia seguinte? Em tom ameaçador, declarou que as manifestações serviriam como “ultimato” do povo aos ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso para que se curvassem à Constituição.
A ingenuidade de muitos em levar a sério esse contínuo ladrar de Bolsonaro, rotineiro desde o seu primeiro dia no Palácio do Alvorada, já não faz mais sentido. Menos ainda temer um golpe de Estado, considerando que o presidente não contaria com o apoio das Forças Armadas numa hipotética aventura autoritária e seria invíavel tomar uma nação de dimensões continentais à força.
A principal razão para não se deixar levar pelos arroubos golpistas de Jair, contudo, mora no fato de seu governo ser, com sobras, um dos piores em toda a história da República. Sem apoio popular maciço, mesmo cogitar a ideia de uma virada de mesa institucional é perda de tempo.
O brasileiro médio, aquele que decide eleição e não dá a mínima para ideologia, é perfeitamente capaz de deixar passar deslizes morais se suas necessidades estiverem sendo atendidas, mas esse não é um cenário sequer próximo da realidade atual.
Ao fim e ao cabo, dar peso aos arroubos golpistas de um presidente fragilizado, que caminha a passos céleres para se tornar o primeiro mandatário a perder uma reeleição desde o fim da ditadura, consegue prestar um duplo desserviço: fortalecer narrativas anticonstitucionais de quem há tempos só vive de ameaças é um deles. O outro é acentuar a polarização, por meio da tese de que só o voto no extremo oposto a tudo o que Bolsonaro representa pode livrar o Brasil de uma ameaça democrática.
Lula agradece, ainda que suas semelhanças com Jair sejam maiores do que seus apoiadores gostariam de admitir.