“Para mim, no Brasil não existe racismo. Isso é uma coisa que querem importar aqui para o Brasil, não existe aqui.”
Na última sexta-feira, dia da consciência negra, o vice-presidente Hamilton Mourão foi questionado sobre o brutal assassinato de João Alberto, um homem negro de 40 anos, morto em Porto Alegre por dois seguranças em uma filial do Carrefour. Sua resposta já pode ser considerada um registro histórico: não é todo dia que um vice admite publicamente ignorar por completo as raízes do país.
Em outro momento, Mourão baseou sua convicção dando como exemplo os Estados Unidos da década de 1960, em que, ao contrário do Brasil atual, “o pessoal de cor sentava atrás do ônibus”.
Exigir a presença de homens vestidos com chapéus brancos pontudos para reconhecer o racismo, ou a evidência de situações que remetam ao apartheid sul-africano, é típico de mentes primitivas.
Os comentários do vice-presidente são inaceitáveis, sobretudo porque a premissa fundamental de quem acalenta um preconceito é negar a sua própria existência. O antissemitismo bebe dessa fonte. Com o racismo não é diferente.
Em seguida, foi a vez de o presidente se pronunciar por meio de suas redes sociais: “Estamos longe de ser perfeitos. Temos, sim, os nossos problemas, problemas esses muito mais complexos e que vão além de questões raciais. O grande mal do país continua sendo a corrupção moral, política e econômica. Os que negam este fato ajudam a perpetuá-lo”.
Depois arrematou: “Como homem e como Presidente, sou daltônico: todos têm a mesma cor. Não existe uma cor de pele melhor do que as outras. Existem homens bons e homens maus”.
Após inúmeros comentários de natureza racista em seus mais variados matizes e de seguidas demonstrações de menosprezo pelas vítimas da pandemia, não é possível afirmar que Jair Bolsonaro surpreendeu. É forçoso reconhecer, contudo, que ele não poderia ter escolhido um companheiro de chapa mais adequado.
A Mourão e àqueles que tentam abrandar este crime bárbaro por meio da brutalização de João Alberto, tentando normalizar algo que só pode ser definido como massacre, proponho o desafio de imaginar um homem branco sendo esfolado até a morte por seguranças de um supermercado. A hipótese é tão insólita que simplesmente imaginá-la impõe esforço.
Se ainda havia dúvidas sobre o nosso absoluto esgarçamento moral, elas foram dirimidas nas últimas horas, com a constatação de que até mesmo a selvageria pode ser relativizada.
Ninguém precisa ser negro para sentir calafrios ao ver as imagens de João Alberto sendo esmurrado momentos antes de morrer, mas só quem é negro tem motivos para temer ser o próximo.
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