O descomunal apetite do presidente da República para ventilar sandices tem levado muita gente boa a tentar explicar tal fenômeno. Estabeleceu-se assim a tese de que o mandatário adotou a provocação como meio de gerar cortinas de fumaça. E quanto maior for o incômodo do público, acima de tudo da imprensa, tanto melhor. Dessa maneira, enquanto a parte da sociedade que escapou ilesa da mesmerização eleitoral bufa, perde tempo e gasta energia ao se debruçar sobre disparates, o governo consegue manter um clima de divisionismo permanente, escamotear a própria incompetência e encaminhar agendas polêmicas. Tratar-se-ia, portanto, de um método.
Faz sentido. É inegável que a maioria da população está boquiaberta. Tenho a impressão de que a sociedade pensava ter visto em Dilma Rousseff o ápice de um líder mal-ajambrado. Do despreparo, inclusive, para ler discursos ou uma receita escrita em papel de pão que fosse. E então surgiu Jair Bolsonaro para redefinir os parâmetros do escárnio.
Sendo bem franco, não consigo perceber no presidente a esperteza necessária para tramar tal estratégia. Contudo, não descarto a hipótese de que alguém assopre em seu ouvido sugestões tanto do teor quanto do momento ideal para incendiar o debate público.
De todo modo, não estamos tratando aqui de mero maquiavelismo. Há também, e acima de tudo, uma predisposição para esse tipo de falatório. Se, via de regra, qualquer político é dotado de apetrechos argumentativos que justifiquem suas próprias condutas, Bolsonaro leva uma vantagem considerável: o que muitos denominariam pragmatismo, ele pode chamar de sinceridade.
Quem o diz são as evidências. O mesmo sujeito que foi capaz de espezinhar o cadáver de um torturado para atacar seu filho, apenas porque este é um adversário político, exaltou um notório torturador quando votou pelo impeachment de uma presidente, também por motivações ideológicas.
É desnecessário desfiar a lista de barbaridades defendidas com vigor pelo presidente. Elas são públicas e apenas não chocam quem perdeu por completo as condições mínimas de conviver em sociedade. Há que se ressaltar, porém, o fato de elas reveleram a verdadeira natureza de Jair Bolsonaro.
No fim das contas, para além do interesse político — em mascarar os avanços de um projeto de poder ameaçador à democracia brasileira —, o caos estratégico expõe alguém que anseia por impor à sociedade suas angústias e preconceitos.