Uma das cenas derradeiras em O Expresso da Meia-Noite retrata o momento decisivo para a reviravolta do personagem central: trancafiado em uma prisão na Turquia após ter sido preso por contrabandear haxixe, prisão esta com todas as características de um manicômio medieval, o sujeito se vê caminhando em círculos junto a um surtado grupo de prisioneiros. Então, para espanto geral, decide dar meia-volta e andar no sentido contrário. Foi a senha para decidir sair dali antes que fosse tarde demais.
Obviamente, a nossa realidade nem de longe se apresenta tão dramática. Afinal de contas, estamos somente impondo a nós mesmos uma escolha impossível e com potencial para aprofundar a maior crise de nossa história: insistir em uma quadrilha conhecida, ou dar um salto no escuro ao eleger alguém despreparado e de indiscutível viés autoritário?
Sei bem, resumir as candidaturas de Fernando Haddad e Jair Bolsonaro não é tão simples. Aliás, qualquer brasileiro descomprometido com os extremos é capaz de desfiar um corolário de mazelas a respeito de um ou de outro postulante. Enquanto este jamais ocupou cargos no Executivo, aquele foi desastroso como Prefeito. Se o assessor econômico de um defende premissas incompatíveis com a do próprio candidato, o grupo político do adversário deixou o poder com 14 milhões de desempregados em seu lastro. Já no quesito apreço pela ordem democrática, talvez tenhamos um empate técnico: o PT é até capaz de endossar a ditadura venezuelana e a regulação da mídia, mas Bolsonaro não se furta a atropelar conceitos democráticos e seu vice defende abertamente uma constituição sem a participação do povo. Como esse vê, a lista é extensa. Contudo, o ponto aqui é outro.
Nos últimos dias, a temática envolvendo a eleição ganhou um novo capítulo, capaz, inclusive, de unir os radicais: a repulsa por aqueles que ousem se posicionar a favor do voto nulo, dado o enfrentamento que as pesquisas têm indicado.
Uma patrulha que, em síntese, pretende impor a sua lógica de voto útil. Que pretende, por vezes na base da intimidação, vender o outro lado como inadmissível. “Não cabe bancar o virtuoso neste momento, Bolsonaro é uma ameaça à própria democracia”, dizem uns. “Não votar em Bolsonaro é o mesmo que referendar o retorno do petismo, um projeto que já se mostrou capaz de aparelhar o Estado para usar o sistema a seu favor”, argumentam outros.
Ao final, a barulheira é tanta que ninguém se dá conta de como essas escolhas, Fernando Haddad e Jair Bolsonaro, são, cada uma a sua maneira, igualmente desastrosas para o Brasil.
Insisto, a situação que se apresenta é impossível. E a simples guerra de retóricas, quando deveríamos privilegiar projetos capazes de pavimentar soluções para a crise, acaba prestando um desserviço ao país. Ainda que sacie a gana dos extremados.
O voto facultativo ainda é um sonho em um país cuja democracia claudica a olhos vistos. Assim como também parece ser um sonho uma união entre as candidaturas de centro. Até que uma dessas duas hipóteses se concretize, espero que pelo menos seja permitido o verdadeiro voto de protesto.
Um voto que demonstre o que sentimos. Inclusive se o sentimento for de total reprovação.
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