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O cinismo e a fábula da torcida contra

Ilustração: Pietro Soldi - @theweepingsong (Foto: )

“Peço desculpas à grande parte da imprensa por não estar indicando inimigos para postos em meu governo!”, escreveu o presidente Jair Bolsonaro em sua conta no Twitter recentemente. Talvez seja audacioso tentar hierarquizar tantos despropósitos nesse início de gestão bolsonarista, mas uma manifestação assim, vinda justo de quem passou os últimos meses se oferecendo como prócer de uma suposta nova era, escancara a real natureza do governo que vem por aí.

Bolsonaro está no seu papel. Assim como Dilma e Lula estiveram no deles. Todo político populista que se preze em algum momento acaba lançando mão do cinismo para turvar os fatos. O que me espanta é que uma traição de tamanha monta fique clara tão cedo. Não que eu tenha nutrido esperança em relação à conduta de alguém enfurnado há trinta anos nos níveis mais rasteiros da política tradicional e bem-sucedido na tarefa de trazer consigo a família.

É claro que o aparelhamento do Estado por amigos do rei me incomoda. Incomodou durante a dinastia petista e não teria porque ser diferente agora. E ainda mais pelo fato de que esse papel, o de criticar desmandos e promoções ensejadas por relações promíscuas não deveria se restringir à imprensa, mas abraçar toda a sociedade.

Pois mora aí a minha maior frustração. Perceber que muitos ainda compram sem restrições a tese da torcida contra. A ideia de que realmente exista uma parte considerável da população — não falo aqui de políticos ou militantes profissionais — na expectativa de que tudo dê errado.

Antes de mais nada, ofende a inteligência pelo óbvio: a vida do cidadão melhora se ele tiver emprego, segurança e um sistema de saúde digno. E depois frustra, porque acabamos de passar um longo período em que essa mesma retórica foi destilada com o intuito de dividir as pessoas de modo a favorecer um projeto político.

Digo, após anos de petismo, considerando resquícios desse trauma, deveríamos, todos, estar mais escaldados. Não caberia apenas suspeitar de discursos divisionistas, mas ter a absoluta clareza de que por trás deles há exclusivamente o interesse de perpetuação no poder.

A retórica do presidente no Twitter foi de uma infantilidade boçal. Ninguém exige que ele torpedeie a própria administração trazendo para o seu seio pessoas sabidamente contrárias às suas diretrizes. A questão, e não há quem esqueça desse fato, é que ele próprio prometeu estabelecer um padrão de excelência nas nomeações caso fosse eleito. Não o festival de boquinhas que se vê até o momento, noves fora as equipes lideradas por Paulo Guedes e Sérgio Moro.

Jair Bolsonaro, prole e manequins de estimação mentem para o país e buscam perpetuar a sua divisão quando atacam a imprensa e tentam vender a tese da torcida contra.

Fizeram de tudo para vencer. Agora deveriam arregaçar as mangas e trabalhar. Sem desvios. Sem a fabricação de espantalhos para empanar seus deslizes.

E só.

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