A postura do presidente Jair Bolsonaro em relação à Folha de S.Paulo é indefensável sob qualquer ponto de vista. Pelo menos para quem preza a democracia. Já sua fala recente a respeito dos incêndios em Alter do Chão, em que acusou o ator Leonardo DiCaprio de doar dinheiro para “tacar fogo na Amazônia”, extrapola os limites do constrangimento.
A tentativa do presidente da República de sufocar financeiramente uma publicação por discordar de sua linha editorial é sem dúvida mais grave, porém não machuca tanto a sua imagem no único quesito que desde o dia 1° de janeiro realmente parece interessá-lo — reeleger-se em 2022.
Sinal dos tempos. Gostamos — nós, brasileiros — de alardear a nossa paixão pela democracia, mas com frequência apoiamos discursos populistas e elegemos políticos abertamente dispostos a atropelar seus preceitos em nome de projetos de poder. Não por outro motivo essa amalucada acusação a um astro do cinema internacional para justificar a degradação do meio ambiente é tão significativa.
Aqueles que desde o último processo eleitoral estiveram atentos às ameaças ensejadas com os avanços do reacionarismo extremo precisam entender: suas réguas não servem para medir o acúmulo de afrontas e descalabros institucionais. Pelo menos não do ponto de vista eleitoral. E o mesmo vale para os fãs ortodoxos do bolsonarismo. A única perspectiva que interessa é a do eleitor médio. Ou seja, aquele alheio ao fervor político-ideológico, capaz de votar no PT durante anos e apoiar Bolsonaro sem peso na consciência.
Para esses, os ataques do presidente, de seus rebentos e ministros à imprensa, mais do que aceitáveis, têm razão de ser. O confronto direto com setores da esquerda, tanto artistas e intelectuais quanto o próprio Lula, é ainda mais de seu gosto. Afinal, só por meio desses embates o sujeito é capaz de lembrar o porquê de ter votado como votou em outubro de 2018. Quem sabe até mesmo de absolver-se.
Golden shower, a defesa pública de que faria de tudo para oferecer ‘filé mignon’ a seu filho — no caso encaminhando-o para comandar a Embaixada em Washignton —, os ataques à primeira-dama da França e o abandono da Educação e do Meio Ambiente, contudo, compõem outra prateleira. E nela se encaixa esse episódio do “Leonardo DiCaprio”.
Bolsonaro fez bem ao emudecer quando da soltura do ex-presidente Lula. A liberdade do líder petista talvez tenha sido a melhor notícia para o seu governo neste primeiro ano de mandato. Mais ainda do que a aprovação da reforma da Previdência, já que sabidamente ela pertence ao Congresso. Polarizar é a única saída para uma administração incapaz de tocar o país. Só a aversão ao petismo pode empanar os descuidos daquele que caminha resiliente rumo ao posto de pior mandato na história da Nova República.
O problema está na superdosagem do veneno. Jair Bolsonaro se equivoca ao julgar que a sociedade brasileira abraça as patetices somente apreciadas por seus súditos mais fanáticos. O desconforto e a vergonha pela sua capacidade de apequenar a imagem do país tendem, se não a reverter a rejeição ao petismo e à esquerda, a alimentar a ânsia pelo surgimento de uma opção viável até 2022.
Uma que finalmente nos livre dos radicalismos.
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