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Mario Vitor Rodrigues

Mario Vitor Rodrigues

Os pais do bolsonarismo

Foto: André Rodrigues/Gazeta do Povo (Foto: )

Já era de se esperar. Constatada a absoluta inabilidade política do governo e seu fôlego para manter uma retórica baseada na afronta, eis que começam a surgir tentativas de responder à pergunta inglória: quem é o grande responsável pelo advento do bolsonarismo?

Em se tratando de um mandato que mal adentra o sétimo mês, o simples questionamento pode parecer injusto aos adeptos de Jair Bolsonaro. Afinal, há pouco foi sacramentado um acordo comercial importante com os europeus e os indícios de que a reforma da Previdência deve mesmo sair só aumentam  — inclusive batendo na casa do trilhão prometido pelo ministro Paulo Guedes.

Contudo, sete meses não é tempo de se jogar fora. Principalmente quando, graças ao dom do Planalto para gerar crises desnecessárias, eles mais se parecem anos. Algo que as  últimas pesquisas sobre a popularidade do presidente, e mais ainda as recentes vaias no Maracanã, deixaram explícito. Sobre o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia, vale dizer, o mérito do governo é inegável, mas ele vinha sendo costurado há décadas. As loas, portanto, merecem ser compartilhadas com administrações anteriores e seus respectivos chanceleres.

Quanto à reforma da Previdência, não se trata de tese, mas de constatação: é filha do Congresso. A proposta passará, não por causa da gestão Jair Bolsonaro, mas apesar dela.

Assim, feito este preâmbulo, a indagação persiste: por qual razão a sociedade decidiu jogar para o alto uma fidalguia que mal ou bem sempre permeou a sua existência? O que pode ter levado tantos a fecharem os olhos e os ouvidos para comportamentos e declarações intoleráveis, tanto do ponto de vista moral quanto civilizatório?

As respostas variam. Há quem enxergue no resultado do último pleito tão somente o reflexo de uma normalidade. Como a história demonstra, temos por hábito nutrir certo xodó por discursos populistas. Não resistimos a um soco na mesa; a candidatos dispostos a enfrentar os moinhos de vento do sistema. Se abusar de argumentos nacionalistas, então, sai de baixo.

O PSDB também é mencionado dentre os porquês do atual momento. Pondera-se que o ambiente construído a partir de 2013 vai ao encontro da incapacidade do partido de fazer a leitura correta das manifestações em junho daquele ano. Além da sua frouxidão no enfrentamento do petismo. Ambos os argumentos fazem sentido; o último sobremaneira.

É inegável, os tucanos passaram anos aceitando passivamente as bordoadas do PT. Uma postura que não só irritou o eleitor fiel à legenda, mas afastou de vez quem votava em seus candidatos na falta de uma alternativa melhor.

Contudo, Lula e aliados não encontram rivais quando o cultivo dos sentimentos que deram origem ao bolsonarismo entra em discussão. É algo que transcende o retrato eleitoral. Está ligado ao cotidiano do longo período em que o grupo dominava o chicote. À asfixia imposta pelo petismo a quem ousou contestar o seu projeto de poder, abarcando inclusive os campos estético e social.

Engana-se quem associa a verve de Jair Bolsonaro e caterva àquela de Lula e seus comandados. Bolsonaro contribui para o divisionismo, obviamente, mas seu movimento é na verdade a continuação de uma ópera iniciada por Luiz Inácio.

Um concerto que se deu muito antes de a esquerda assumir o poder. Bem antes, assim sendo, de convocações criminosas como “eles têm de apanhar nas ruas e nas urnas”, ou “porrada nos coxinhas”.

Não houve em nossa história, decerto nunca a partir da reabertura democrática, um presidente que tenha passado o bastão com tamanha elegância como Fernando Henrique Cardoso. Lula recebeu um país próspero e, mais do que isso, o assumiu com respaldo político e popular até hoje inéditos.

No dia seguinte, porém, deixou-se levar por sua natureza e começou a destilar a narrativa da “herança maldita”. A reforçar estereótipos e empurrar uma considerável parte dos brasileiros para o ostracismo. Até mesmo a estimular rancores de ordem racial para reforçar as fundações da hegemonia que pretendia edificar.

Uma panela de pressão que em algum momento haveria de explodir. Só não aconteceu antes por conta de um sistema criminoso em que a democracia foi corrompida, uma conjuntura econômica favorável e a inteligência política do próprio guia.

Nada justifica o discurso de Jair Bolsonaro. Não há sentimento de revanchismo que abrande o comportamento dos chacais que tomaram de assalto a República, as mesas de bar e as redes sociais.

Todavia, é fundamental entender como esse fenômeno foi alimentado. De que forma o pêndulo foi jogado de um extremo ao outro do espectro ideológico. Sob pena de que volte rápido demais.

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