Foto: André Rodrigues/Gazeta do Povo| Foto:

Já era de se esperar. Constatada a absoluta inabilidade política do governo e seu fôlego para manter uma retórica baseada na afronta, eis que começam a surgir tentativas de responder à pergunta inglória: quem é o grande responsável pelo advento do bolsonarismo?

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Em se tratando de um mandato que mal adentra o sétimo mês, o simples questionamento pode parecer injusto aos adeptos de Jair Bolsonaro. Afinal, há pouco foi sacramentado um acordo comercial importante com os europeus e os indícios de que a reforma da Previdência deve mesmo sair só aumentam  — inclusive batendo na casa do trilhão prometido pelo ministro Paulo Guedes.

Contudo, sete meses não é tempo de se jogar fora. Principalmente quando, graças ao dom do Planalto para gerar crises desnecessárias, eles mais se parecem anos. Algo que as  últimas pesquisas sobre a popularidade do presidente, e mais ainda as recentes vaias no Maracanã, deixaram explícito. Sobre o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia, vale dizer, o mérito do governo é inegável, mas ele vinha sendo costurado há décadas. As loas, portanto, merecem ser compartilhadas com administrações anteriores e seus respectivos chanceleres.

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Quanto à reforma da Previdência, não se trata de tese, mas de constatação: é filha do Congresso. A proposta passará, não por causa da gestão Jair Bolsonaro, mas apesar dela.

Assim, feito este preâmbulo, a indagação persiste: por qual razão a sociedade decidiu jogar para o alto uma fidalguia que mal ou bem sempre permeou a sua existência? O que pode ter levado tantos a fecharem os olhos e os ouvidos para comportamentos e declarações intoleráveis, tanto do ponto de vista moral quanto civilizatório?

As respostas variam. Há quem enxergue no resultado do último pleito tão somente o reflexo de uma normalidade. Como a história demonstra, temos por hábito nutrir certo xodó por discursos populistas. Não resistimos a um soco na mesa; a candidatos dispostos a enfrentar os moinhos de vento do sistema. Se abusar de argumentos nacionalistas, então, sai de baixo.

O PSDB também é mencionado dentre os porquês do atual momento. Pondera-se que o ambiente construído a partir de 2013 vai ao encontro da incapacidade do partido de fazer a leitura correta das manifestações em junho daquele ano. Além da sua frouxidão no enfrentamento do petismo. Ambos os argumentos fazem sentido; o último sobremaneira.

É inegável, os tucanos passaram anos aceitando passivamente as bordoadas do PT. Uma postura que não só irritou o eleitor fiel à legenda, mas afastou de vez quem votava em seus candidatos na falta de uma alternativa melhor.

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Contudo, Lula e aliados não encontram rivais quando o cultivo dos sentimentos que deram origem ao bolsonarismo entra em discussão. É algo que transcende o retrato eleitoral. Está ligado ao cotidiano do longo período em que o grupo dominava o chicote. À asfixia imposta pelo petismo a quem ousou contestar o seu projeto de poder, abarcando inclusive os campos estético e social.

Engana-se quem associa a verve de Jair Bolsonaro e caterva àquela de Lula e seus comandados. Bolsonaro contribui para o divisionismo, obviamente, mas seu movimento é na verdade a continuação de uma ópera iniciada por Luiz Inácio.

Um concerto que se deu muito antes de a esquerda assumir o poder. Bem antes, assim sendo, de convocações criminosas como “eles têm de apanhar nas ruas e nas urnas”, ou “porrada nos coxinhas”.

Não houve em nossa história, decerto nunca a partir da reabertura democrática, um presidente que tenha passado o bastão com tamanha elegância como Fernando Henrique Cardoso. Lula recebeu um país próspero e, mais do que isso, o assumiu com respaldo político e popular até hoje inéditos.

No dia seguinte, porém, deixou-se levar por sua natureza e começou a destilar a narrativa da “herança maldita”. A reforçar estereótipos e empurrar uma considerável parte dos brasileiros para o ostracismo. Até mesmo a estimular rancores de ordem racial para reforçar as fundações da hegemonia que pretendia edificar.

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Uma panela de pressão que em algum momento haveria de explodir. Só não aconteceu antes por conta de um sistema criminoso em que a democracia foi corrompida, uma conjuntura econômica favorável e a inteligência política do próprio guia.

Nada justifica o discurso de Jair Bolsonaro. Não há sentimento de revanchismo que abrande o comportamento dos chacais que tomaram de assalto a República, as mesas de bar e as redes sociais.

Todavia, é fundamental entender como esse fenômeno foi alimentado. De que forma o pêndulo foi jogado de um extremo ao outro do espectro ideológico. Sob pena de que volte rápido demais.