Batuco estas palavras de longe, mas a verdade é que, pelo menos quando o assunto é o governo Jair Bolsonaro, não faz muita diferença. Em Nova Iorque, para além da tibieza da Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos, do oportunismo do prefeito Bill de Blasio, além da dificuldade de uns e outros em pronunciar corretamente o nome do nosso presidente, o aparvalhamento é o mesmo das pessoas no Rio ou em São Paulo, na Bahia ou em Brasília. “Oh, you’re brazilian? What about that Bolsonaro?”, ouvi logo que cheguei. “Bolsomimo is kinda weird, uh?”, perguntou-me outro.
Minha reação inicial, admito, foi questionar a quantas anda a consciência de ambos pela escolha feita aqui há dois anos, mas desisti. Se é justo que respondamos por nossos atos e palavras, afinal, não seria Jair Bolsonaro o merecedor das minhas ponderações. Apenas lamento que a imagem do Brasil esteja sendo arrastada para a lama no cenário internacional como não aconteceu antes com nenhuma outra administração.
A verdade é que mesmo a distância a competência do governo para o fracasso — tão cedo e ainda assim tão certo — impressiona. Uma derrocada que, acima de quaisquer outras, é balizada por duas facetas: prepotência e covardia.
A primeira se percebe na estratégia assaz obtusa, alardeada desde o período eleitoral, que aposta em alianças com bancadas temáticas, na generalizada demonização da política e no desprezo pelo Congresso Nacional. Ou seja, Bolsonaro não apenas se viu em condições de reinventar o sistema — no qual encaminhou seus filhos, após ter passado por 9 partidos ao longo de 30 anos —, mas ainda por cima vestido de personagem antissistema.
Como já pode ser constatado, não funcionou.
A retirada do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) das mãos do ministro Sérgio Moro e o parecer recente da Câmara, dando conta de que o decreto ampliando o porte de armas é ilegal, são derrotas recentes que apenas confirmam essa realidade. E a estratégia de governar via decreto tende a acirrar uma sensação de incômodo por parte do Congresso Nacional.
Acrescente-se aí a audácia, típica dos amadores, de antecipar vitórias em voz alta antes de elas estarem garantidas. Posicionamentos como os de Paulo Guedes, quando avisou que faltavam poucos votos para aprovar a Previdência, afirmando que seria possível zerar o déficit fiscal este ano ou determinar R$ 1,1 trilhão como meta necessária para a reforma, seguiram essa linha. Idem para a reformulação ministerial e o decreto de armas.
A postura covarde do presidente da República — quando se vê envolto em confusões derivadas de suas próprias escolhas, do comportamento inaceitável de seus rebentos, de ministros desatinados ou do prócer intelectual dessa barafunda que assolou o país, o polemista Olavo de Carvalho —, completa o duo determinante para compreender o porquê do fracasso bolsonarista.
Não se trata de defender a permanência eterna de ministros. Tampouco de criticar a efemeridade de alianças políticas. Estabelecer para a atual gestão parâmetros historicamente inalcançados por outras administrações não seria apenas injusto, mas favoreceria o vitimismo de Bolsonaro, Olavo e caterva. Mesmo considerando o discurso durante a campanha eleitoral que vendia o início de uma nova era na política.
Contudo, é impressionante o que acontece nesse primeiro semestre com Jair Bolsonaro no poder. As brigas constantes, por vezes de um nível tão rasteiro que causam espécie, nem sequer poupam os militares, há coisa de poucos meses tratados como baluartes pelo alto escalão do governo e a maioria de seus seguidores.
No fim das contas, reconhecida a frouxidão de Bolsonaro, resta somente uma dúvida: ou bem ele não é capaz de controlar as erupções verborrágicas de Carlos Bolsonaro e as agressões absurdas de Olavo de Carvalho, ambas nocivas ao seu governo e portanto ao país, ou é conivente com essas atitudes, aproveitando-se delas para livrar-se de desafetos e manter aceso o clima de polarização decisivo para a sua eleição.
A primeira opção perde força a cada dia, mas tanto uma quanto a outra compõem um quadro nada alvissareiro para o bolsolavismo. Ou seja, o de ser lembrado, em um futuro bastante próximo, como tendo sido um período de mero desatino da sociedade brasileira. Sem ter deixado nenhum legado, a não ser o de que pouco adianta trocar um radicalismo por outro.