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Quanto pior, melhor (mas sem exageros)

Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo (Foto: )

Há testemunhas. Logo após a vitória de Jair Bolsonaro, início do período transitório, Paulo Guedes, à época futuro ministro da Economia, resolveu intimidar Eunício Oliveira (MDB-CE), então presidente do Senado: “Ou você vota a reforma da Previdência ou o PT volta”. Seria apenas a primeira bola fora daquele que foi incensado, não apenas por Bolsonaro, mas também pelo mercado financeiro como remédio para todos os nossos desafios econômicos.

Antes mesmo do pleito, em outubro passado, a falta de traquejo político de Guedes já era conhecida. Portanto, a sua tentativa de atropelar o Congresso Nacional não surpreendeu. Assim como não surpreenderam outras tantas fanfarronices sobre a aprovação da reforma da Previdência, a facilidade de zerar o déficit este ano ou a viabilização de privatizações.

Contudo, a tentativa de ameaça a Eunício indicava um caminho. Digo, pegava carona na esteira do bem-sucedido discurso eleitoral, pautado acima de tudo no antipetismo, mas nem por isso deixava de anunciar a sua gênese.

É tão inegável quanto compreensível: o período em que o Partido dos Trabalhadores comandou o país — quase duas décadas de duração, não fosse pelo impeachment de Dilma Rousseff — impôs traumas à sociedade.

E assim foi porque Lula, o partido, legendas aliadas e o zeitgeist à esquerda, sustentáculo do projeto petista, em nenhum momento se preocuparam em moderar o discurso. Bem ao contrário, houve um autêntico atropelo daqueles que ousaram se posicionar de maneira contrária aos preceitos ditados por Luiz Inácio ou que minimamente contestavam sua conduta.

Durante muito tempo, por consequência, o PT e suas falanges incubaram os piores sentimentos possíveis em uma parcela considerável da sociedade. Pessoas que, para além de se sentirem constrangidas, viram-se subjugadas.

Nem sequer é preciso desfiar aspectos decisivos em cada uma das vitórias petistas, o mensalão e o derretimento da Petrobras para financiamento de um projeto de poder que pressupunha o sequestro da própria democracia brasileira. Embora fundamentais para fins de contextualização, desses a Justiça já cuida. O ponto é que, no afã de se perpetuar no poder, o PT não quis ser bom rei, mas rei tirano.

Isso dito, a consequência está aí, tem nome e sobrenome.

Várias pessoas com as quais me relaciono, embora tenham votado em Jair Bolsonaro, mal toleram tudo o que vem acontecendo nesses poucos meses de governo. Apostaram no capitão porque a alternativa apontava para o retorno do lulismo ao poder, entretanto não nutrem afeto, tampouco orgulho pela maneira como se comportam o mandatário, seus rebentos e ministros, ao que tudo indica desmiolados.

Pois é justamente esse mesmo roteiro que agora o bolsonarismo começa a escrever. Convenhamos, não surpreende. De tão obcecados com Lula e caterva, tornaram-se iguais. Idênticos, inclusive, na brutalidade dos argumentos, na empáfia das imposições e no achatamento de quem pensa diferente.

Ainda é cedo para afirmar, entretanto, se a sanha pelo confronto, pelo choque com o senso comum e a negação de uma sociedade irrefreadamente livre continuarem, tudo aponta para uma volta rápida do pêndulo ideológico.

Se após anos de ditadura chegou a vez de a esquerda conduzir o país, o bolsonarismo, com sua falta de aptidão para administrar e asco pelo entendimento, tende a ser lembrado, no futuro, como um mero hiato. Um período pitoresco, ainda que obscuro.

Quem sabe o ideal não seja o meio-termo? Se o sucesso absoluto do atual governo — a cada instante menos provável — poderia ensejar outra dinastia ideológica no país, e se um desastre completo tenderia a reacender as hostes radicais do outro lado do pátio, talvez fosse mais interessante um resultado final que apontasse para a moderação.

Melhor dizendo, ignorem o talvez.

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